São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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As verdades que fogem

JANIO DE FREITAS

Nada que comprometa o Brasil com o "cartel de Cali", o centro colombiano que comanda o tráfico internacional de cocaína, foi até agora encontrado, sequer como indício, pela Procuradoria de Justiça do Estado do Rio na papelada apreendida ao comando do jogo do bicho. O mesmo acontece em relação ao tráfico de armas que abastece o de drogas. Obter tais provas era o objetivo do procurador-geral Antonio Carlos Biscaia, que estava convencido de enfim poder provar a tese, de que é um dos mais ardorosos defensores, da ligação entre os bicheiros e os dois tráficos.
Apesar dessa frustração, pelo mundo afora foi publicada a descoberta da associação entre o Brasil e Cali. Os jornalistas do exterior não inventaram a notícia. Nem estão fazendo campanha contra o Brasil, como em geral se alega. Limitaram-se a publicar informação divulgada pelo procurador-geral de Justiça no dia 5, segundo o qual estava "descoberto o envolvimento com a rede internacional de narcotráfico", inclusive "as remessas ilegais de dólares para Cali".
Não foi aquele, é verdade, um dia feliz do procurador. Ele anunciou as provas inencontradas na mesma ocasião em que, falando a um grupo de deputados estaduais, disse que os documentos "nos cofres apreendidos comprovam a ligação de membros de tribunais superiores com o jogo do bicho". Cobrado, no dia seguinte, pelos ministros dos tribunais superiores, em 24 horas mandou-lhes ofícios negando a descoberta anunciada.
Para evitar avaliações morais, sempre desagradáveis de fazer, por menos surpreendentes que às vezes sejam, digamos outra vez que o procurador e, talvez por contaminação, também seu auxiliar-mor não foram felizes ao comentar o artigo aqui publicado sobre as duas contabilidades apreendidas. Não se limitaram ao improvado. Desta vez desmentiram-se mutuamente.
O procurador custou a desembatucar, mas acabou soltando um contra-feito "estão", quando perguntado se o governador Nilo Batista e o prefeito Cesar Maia figuram no livro-caixa dos bicheiros –o que foi negado pelo artigo em questão, com a informação de que apenas aparecem em folhas soltas e datilografadas como qualquer de nós poderia fazer a qualquer altura. Ao ouvir o "estão", o promotor Antônio José Moreira apressou-se a dizer que foi um equívoco do seu chefe: "Não estão no livro-caixa, estão em folhas datilografadas que pertencem a um livro de contribuição de campanhas políticas".
Bem intencionado, o promotor começou repondo a verdade, mas a intenção não resistiu ao clima circundante: não foi apreendido nenhum "livro de contribuição de campanhas", o que há, além do livro-caixa, são só as folhas inconfiáveis, até pelas falsificações evidentes que contêm e que o procurador Biscaia confirmou, tal como descritas aqui. Ou seja, ele aceita como autênticas ("estou convencido da autenticidade") folhas em que identifica falsificações. Como usou tais folhas para algumas de suas acusações, é compreensível que não queira submetê-las a perícia.
O procurador-geral, aliás, não está bem informado nem sobre as folhas que o inspiraram. Ao confirmar a falsificação em uma delas, disse que "o governador (Nilo Batista) aparece uma vez como N.B., com o Batista completado a mão, a lápis". Nada disso, ninguém escreveu Batista. O nome escrito a mão é Nilo. E o que era N.L. foi adulterado para N.B.
Biscaia tem se apresentado como "um homem de coragem", que "não tem medo das ameaças de morte". O nosso herói acha, no entanto, que agora querem desmoralizá-lo. Infeliz, outra vez: quem está desmoralizando a Procuradoria está na Procuradoria, onde as verdades escapam entre os dedos e viceja o seu oposto.

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