São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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Emprego e democracia

HENRIQUE RATTNER

Qual é o futuro da democracia nas sociedades corroídas crescentemente pela perda e evasão de empregos produtivos?
O espectro do desemprego está rondando o mundo. Mais de 30 milhões de desempregados nos 24 países mais industrializados, membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com previsões sombrias para 1994, quando o nível de emprego nos principais países do Primeiro Mundo (EUA, Japão, Alemanha) continuará diminuindo, sem perspectivas de reverter essa tendência. Se acrescentarmos aos que perderam seu lugar de trabalho, os milhões de refugiados e imigrantes à procura de abrigos e oportunidades de reconstruir suas vidas fica caracterizado o perfil de uma crise do sistema que condena, em escala sempre crescente, uma vasta parcela da humanidade à fome, miséria e exclusão da vida política e cultural.
As causas deste fenômeno assustador são múltiplas e, por isso, as medidas e diretrizes reducionistas prescritas ou recomendadas pelos órgãos financeiros internacionais e os esforços empreendidos por governos nacionais têm se revelado de pouca ou nenhuma eficácia. Bastaria aumentar as exportações, elevar a produtividade, melhorar a qualidade dos produtos etc., para assegurar a absorção pelo mercado de trabalho desses contingentes de milhões de marginalizados do processo produtivo?
Aponta-se para o progresso técnico vertiginoso das últimas décadas, como causa do desemprego na indústria, algo semelhante ao que ocorreu na agricultura no fim do século passado, particularmente nos EUA. Estudos mais recentes colocam em dúvida esse argumento algo simplista. Afinal, o Japão é dos países industrializados o que mais automatizou suas indústrias, mais robôs e máquinas de comando numéricos produziu e, todavia, sua taxa de desemprego é a mais baixa de todos os países desenvolvidos.
Sem negar o impacto da inovação tecnológica na perda de postos de trabalho –geralmente menos qualificados– devemos atentar também para a criação de novos empregos –via de regra, mais qualificados e mais bem remunerados– em consequência do progresso técnico.
O saldo deste jogo de demanda e oferta de mão-de-obra dependerá, em última análise, do fluxo de investimentos que, por sua vez, é função da poupança e das condições políticas, econômicas e infra-estruturais prevalecentes em cada país ou região. O baixíssimo coeficiente de investimentos do país (15% do PIB, em média durante os últimos dez anos) levanta a questão do destino dado aos lucros pelos detentores do capital. Não constitui segredo que a maior parcela do excedente, crescentemente apropriado pelo capital, quando não expatriado e depositado em paraísos fiscais, alimenta a especulação financeira, baseada em taxas de juros quatro a cinco vezes superiores àquelas vigentes nos mercados financeiros internacionais.
A suposta atração que esta situação deva exercer sobre os investimentos estrangeiros não passa de mais uma mistificação. Os recursos que ingressam no país são de curto prazo e altamente especulativos. Os grandes fluxos de investimentos, embora declinantes devido à crise generalizada, são dirigidos em primeiro lugar, para os países industrializados, a fim de assegurar a presença das empresas transnacionais nos mercados cativos e excludentes em função da reestruturação da economia mundial.
Como segunda opção de investimentos para o capital e a tecnologia, hoje facilmente transferíveis pelo mundo, figuram os países que oferecem, além das "vantagens estáticas comparativas" do passado (baixo custo e abundância de matérias-primas e energia), uma força de trabalho barata e competente.
A criação de novos empregos nos países selecionados do Terceiro Mundo em função das condições favoráveis que oferecem, não compensa obviamente a perda de postos de trabalho no país de origem do capital. Efetivamente, volume crescente de recursos tem sido canalizado para os países ex-socialistas da Europa e, particularmente, a antiga Alemanha Oriental, cuja mão-de-obra embora bastante qualificada, custa menos da metade do seu equivalente no Ocidente.
O terceiro fator explicativo da diminuição da oferta de empregos se prende às possibilidades abertas pela difusão do novo paradigma tecno-econômico –baseado em redes de comunicações globais operando "on line"– de contratar, cada vez mais, a produção de peças e componentes bem como, de serviços auxiliares (limpeza, manutenção, refeições, transportes etc.) a empresas autônomas.
Este tipo de contrato –a terceirização– não exige investimentos em instalações e equipamentos e, tão pouco, em recrutamento, seleção, treinamento e qualificação da mão-de-obra. Além de reduzir os custos de produção (livrando-se dos encargos sociais), a terceirização facilita a mobilidade do capital, sempre em busca de maior retorno sobre o investimento.
Seria possível estancar ou barrar o fluxo de empregos (leia-se investimentos) para os locais que estiverem mais preparados e, portanto, mais promissores para a lucratividade dos empreendimentos? Se a resposta for negativa, haja visto as apologias da "nova ordem mundial", dos mercados integrados, da queda das tarifas etc., quais as possibilidades objetivas de um governo nacional ou regional orientar e conduzir uma política de desenvolvimento que assegure não somente condições de vida materiais para toda sua população, mas também uma participação efetiva nas decisões que afetam seu destino, ou seja, o pleno funcionamento da democracia? Pois em última análise e de acordo com todas as experiências históricas, é através de uma distribuição equitativa do produto social que as nações hoje desenvolvidas alcançaram níveis apreciáveis de bem-estar coletivo e de funcionamento democrático de suas instituições, conferindo mais legitimidade aos seus respectivos governos.

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