São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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Filme desafia onda moralista de Hollywood

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filme: Olhos de Serpente
Direção: Abel Ferrara
Elenco: Harvey Keitel, Madonna e James Russo
Roteiro: Abel Ferrara e Nicholas St. John
Produção: EUA, 1993
Estréia: Belas Artes (sala Villa Lobos), Center Iguatemi 1, Studio Alvorada 1 e circuito

A sinceridade assumida em "Olhos de Serpente" se distingue no estilo escrachado de Abel Ferrara. O filme que estréia hoje em São Paulo é o exemplo mais disciplinado deste cineasta de excessos.
O roteiro dilacerado faz de Madonna uma atriz comovente, vítima da sua própria pregação amoral. O filme dá um bote na sua trajetória de escândalos. Harvey Keitel, alter ego e dublê de cineasta, reforça o tom autobiográfico desta balada excessiva.
Isso se mostra quando Keitel, no papel de um cineasta em crise, faz laboratório de atores, atiçando cada vez mais o seu principal personagem e ator (James Russo) contra a figura passiva que Madonna representa.
Incerto com os rumos que o filme deve tomar, a própria produção parece indecisa entre três títulos: "Jogo Perigoso" (Dangerous Game), como aparece no começo do filme; "A Mãe dos Espelhos", como é chamado o filme dentro do filme e, finalmente "Olhos de Serpente".
A confusão no set distancia cada vez mais o ator James Russo da atriz Madonna. Ele se droga e enche a cara em cena e no intervalo das filmagens. Na cama com Madonna, diretor e ator se revezam em cínicos arrependimentos.
A violência das filmagens progride e emperra em repetições. A recatada personagem na pele de Madonna finalmente se rebela. Sua revolta vem na sequência de um sexo quase explícito aos olhos do espectador.
Ela reclama como atriz do realismo da cena. Diferenças entre atuar e sentir estão entre os dilemas dessas caricaturas assumidas do sucesso em Hollywood.
Como personagens reais, divertem-se praticando um incômodo anticinema. Comportam-se como desafiantes de fórmulas recatadas e ondas moralistas da mega-indústria do entretenimento.
A coragem hiperrealista de "Olhos de Serpente" faz "Intersection", com Sharon Stone, que também estréia hoje em São Paulo, parecer a obra mais hipócrita da temporada.
Num intervalo das filmagens, o elenco de "Olhos de Serpente" se pergunta porque a gente de Hollywood sempre usa óculos escuros, mesmo de noite. Para não verem como são todos repulsivos à sua volta, concluem.
Perto do fim de "Olhos de Serpente", o brilhante Abel Ferrara vai buscar num documentário americano ("Burden of Dreams", de Les Blank, de 1982, sobre o "making of" do megalomaníaco "Fitzcarraldo", do alemão Werner Herzog), o que ele mesmo gostaria de dizer.
Herzog diz que depois do filme ele certamente mereceria ir para um hospício. Um dos riscos de qualquer overdose.

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