São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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Indigentes comem carne humana em Olinda

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM OLINDA

Favelados de Olinda (6 km de Recife, PE) estão comendo pedaços de carne humana recolhidos no lixo hospitalar.
A denúncia, feita pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, é confirmada por catadores do depósito de lixo da cidade.
"O caminhão passa nos hospitais e depois joga tudo aqui", diz a catadora Solange da Silva, que atua há oito anos no local.
"Já encontramos seringa, dedo, tripa, braço e até um nenê (feto)", afirma Solange.
Pelo menos duas pessoas admitiram à Folha terem se alimentado de carne humana recolhida do lixo.
A catadora Leonildes Cruz Soares, 65, e seu filho, Adilson Ramos Soares, 39, afirmam que comeram um seio encontrado por ele em meio aos detritos.
"Não tinha o que comer e comi isso mesmo", justifica a mulher. Ela mora em um barraco no lixão, com 7 de seus 10 filhos.
Segundo a pastora da igreja anglicana Simea de Souza Meldrum, os dois não são os únicos que já se alimentaram de carne humana.
"Nas conversas que tivemos com os catadores sentimos que a prática parece comum entre eles. Mas todos se resguardam", diz.
Meldrum lidera um grupo de evangelização que atua entre os favelados do lixão.
Foi numa das visitas à comunidade que eles constataram o consumo de carne humana jogada por hospitais no depósito da cidade.
"Um dos técnicos viu a mama cozida e perguntou para o rapaz o que era. Ele demorou, mas acabou contando a história", disse Souza Meldrum.
Ontem, às 10h30, a Folha flagrou um caminhão de lixo hospitalar descarregar detritos no depósito da cidade.
Assim que chegou, o veículo foi imediatamente cercado por crianças. O lixo foi todo vasculhado pelos meninos e meninas.
Uma delas, Ivanilda da Silva, 11, encontrou e comeu um pedaço de pão. Sua mãe, Solange, viu e considerou a atitude normal.
"A gente come o que acha aí. Pega peixe, roupa, galinha, o que tiver", afirmou a mulher. "A gente tem que viver, né"?
Dados da Secretaria de Ação Social de Olinda indicam que no lixão da cidade circulam em média 250 pessoas por dia. Dez delas em barracos no próprio local.
Essas pessoas recolhem e vendem materiais recicláveis. Cada catador arrecada em média CR$ 600 por semana.

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