São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As obras públicas e a URV

JOSÉ EDUARDO NASCIMENTO

O decreto-lei nº 1.110, que regulamenta a conversão dos contratos de obras e serviços públicos à URV, publicado no último dia 14, comprometeu seriamente a expectativa de que no novo plano econômico, ao contrário do que ocorreu nos planos anteriores, seria assegurado o respeito ao equilíbrio desses contratos. Tal expectativa resultava do processo, aberto, de montagem do Plano FHC e do espaço de negociação, pública e transparente, que as lideranças da construção civil
conseguiram junto à equipe econômica.
Ao próprio autor do plano e a dois dos seus principais auxiliares –o assessor especial José Milton Dallari e o secretário nacional do Tesouro, Murilo Portugal– foram apresentados estudos e contribuições técnicas consistentes sobre como compatibilizar o equilíbrio dos contratos com os objetivos e etapas da política de estabilização.
Mas a negociação empacou. A nova MP 457 e o decreto de regulamentação do seu artigo 15 ignoraram a realidade dos custos das obras públicas. Os seus valores não poderão variar durante um ano sem que haja nenhuma garantia de que o mesmo aconteça com os preços dos materiais, que dispararam nos últimos dois meses e continuam aumentando, ou da mão-de-obra, que poderá crescer mediante negociação entre patrões e empregados da construção civil.
E a subestimação dos valores dos contratos no primeiro ano do real será ainda maior à medida em que a conversão deles à nova moeda seja feita conforme o critério estabelecido no decreto nº 1.110, ou seja, com base na URV de fevereiro, e não em data mais recente, como seria justo.
Isso implicará na prática um expurgo dos efeitos da grande elevação de preços dos insumos ocorrida desde o final de fevereiro.
Diante deste quadro de insegurança quanto à situação dos contratos sob a vigência do real e de ameaça concreta de redução artificial e injusta dos seus valores no momento da conversão à URV, o setor voltará agora sua atenção básica para o processo de discussão e decisão do Congresso sobre a nova MP. Do Legislativo esperamos sensibilidade e realismo para combinar a necessidade do combate à inflação com o respeito aos interesses legítimos das empresas que executam obras públicas.
De minha parte, continuo torcendo pelo sucesso da política de estabilização e reclamando urgência para as reformas estruturais, porque o nosso setor é um dos segmentos da iniciativa privada que mais perdem com o descontrole inflacionário e com a queda progressiva da capacidade de investimento de um Estado gigantesco e ineficiente.
Em relação ao plano econômico continuou convencido –concordando, aliás, com o que foi insistentemente prometido pelo governo– que ele não poderá basear-se na quebra de contratos regulares, nem em mecanismos de expurgo ou manipulação de índices, que têm efeitos ilusórios e são juridicamente inconsistentes.
Por outro lado, precisa ficar claro para a sociedade que o desequilíbrio dos contratos de obras, mais do que afetar as empresas, acarretará sérios prejuízos para os já escassos programas governamentais, com o abandono ou o retardamento deles, com o aumento do desemprego e com maiores custos a serem retomados depois.
Pois as construtoras, por mais que se empenhem, não terão como garantir a continuidade de contratos constituídos de viabilidade econômica e financeira.

Texto Anterior: Onde investir; Ajuda do plano; Sexo fraco; Com recheio; Com molho; Visão externa
Próximo Texto: URV, inflação e conflito
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.