São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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Hendricks mostra sua face humanitária

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira estrela do canto lírico que chega a São Paulo neste ano é a soprano norte-americana Barbara Hendricks. Acompanhada do pianista sueco Staffan Scheja, ela se apresenta dia 30 de abril, no Teatro Municipal, a convite do Mozarteum.
Aos 45 anos, Hendricks representa uma nova geração de cantoras, que faz da falta de afetação uma de suas principais qualidade. Em lugar da diva, surge a mulher preocupada com seu papel social.
Militante de causas humanitárias, Hendricks trabalha para o Alto Comissariado para Refugiados, das Nações Unidas. Ela já cantou em Sarajevo e na Tailândia, a favor dos expatriados que voltavam do Camboja.
Em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, Hendricks afirmou que, durante sua estada no Brasil, pretende visitar alguma entidade responsável por crianças desaparadas.
Considerada uma artista exemplar, Hendricks nasceu no Sul dos Estados Unidos e suas primeiras lições de canto foram na Escola Dominical da cidade, onde interpretava spirituals (cantos religiosos criados por escravos).
Hoje, seu repertório é extremamente variado. Para a apresentação em São Paulo, Hendricks escolheu Mozart, Schubert, Strauss, Poulenc, Chausson, Bizet e Montsalvatge.
Folha - Como você escolhe seu repertório?
Barbara Hendricks - Canto apenas o que gosto. As razões podem ser a própria música ou a poesia de uma obra. Claro que as escolhas também são feitas de acordo com minhas habilidades. Como sou muito curiosa, acabei formando um repertório muito extenso.
Folha - Você nunca trabalhou em função do sucesso, das regras do mercado, mas logo se tornou muito popular. À parte seu talento, há alguma razão especial para isso?
Barbara - Ser uma estrela nunca foi meu objetivo. Sempre tentei ser uma boa artista e continuo tentando, procurando dar o melhor de mim mesma.
Não sigo certas determinações de mercado, cantando aquilo que é mais popular e talvez por isso meus espetáculos não são sempre acessíveis. No entanto, acho que faço sucesso porque sou uma pessoa que atua com simplicidade.
Eu sou acessível. É muito fácil para o público se sentir próximo de mim, se identificar comigo.
Folha - Como você trabalha a interpretação de cada papel?
Barbara - Para mim, o elemento principal é o tempo. Não gosto de impor uma interpretação ao papel. Acho que tudo que eu preciso saber já está na partitura.
Não acho que seja possível aprender um papel rapidamente e logo apresentá-lo. É um processo que exige tempo. É preciso conviver com o papel, reconsultar a partitura constantemente, adquirir a certeza de que o que se está fazendo é o mais próximo possível do que o compositor está pedindo. Procuro me aproximar cada vez mais das verdades do compositor e daí acho que a música adquire interpretação por si.
Folha - Por que você canta poucas óperas?
Barbara - Porque a ópera é uma grande máquina dentro da qual, entre outras coisas, não é possível ter muito controle da qualidade do trabalho.
Gosto muito de trabalhar em conjunto, de trocar idéias com colegas e ter tempo para investigar uma obra junto com o elenco. Mas, isso não dá para ser feito em três ou quatro dias de ensaios, encontrando os colegas pouco dias antes da estréia.
Infelizmente, é muito difícil manter a qualidade de trabalho no sistema das grandes produções, que envolve custos etc. Por isso, participo menos de óperas do que poderia. Quando aceito fazer alguma, procuro escolher produções que me permitem ter mais tempo para realizar um bom trabalho.
Folha - Por que você tem necessidade de ser uma militante de causas humanitárias?
Barbara - Porque tenho um sentimento muito forte de humanidade, de responsabilidade social. Não acho que seja possível viver a vida toda como um vegetal, apenas viver e morrer sem interferir no que acontece. Não tenho esse senso de responsabilidade cívica por um sentimento de culpa, porque sou uma
artista ou porque sou famosa. Acho que cada um de nós deve fazer algo, dar o que pode, seja qual for o nível em que esteja. Faria as mesmas coisas, talvez num nível de alcance menor, mesmo que não fosse popular. Todos nós temos responsabilidades com o outro e ser famosa me dá possibilidade de ter acesso à mídia e ao poder central do Estado. Para mim, a idéia de democracia é baseada no respeito aos direitos humanos de todas as pessoas.
Folha - No momento você está realizando algum trabalho especial no Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas?
Barbara - Nos últimos dois meses eu tenho tentado organizar uma viagem para Ruanda e Burundi, na África, onde a situação está incrivelmente ruim. Mas ninguém desses países me deu resposta sobre a possibilidade de minha ida até lá. Há problemas logísticos. Acho que não há vôos regulares para lá. Mas, certamente minha próxima viagem será para algum lugar da África. Se eu não for para Ruanda, talvez vá para Moçambique, porque temos um programa de repatriação em estudo agora.
Folha - Qual foi o último concerto beneficente que você realizou?
Barbara - Não tenho feito muitos concertos beneficentes. As atividades que temos nas Nações Unidas, como as missões junto aos refugiados, consomem milhões e milhões de dólares. Somos extremamente dependentes dos governos. Então, o que eu procuro realmente fazer é influir na opinião pública. Esta é minha prioridade neste trabalho humanitário. Através de minha influência na opinião pública eu tento obter apoio do governo para os fundos necessários aos programas que mantemos. Cada programa de repatriação, como o de Moçambique ou o do Camboja, consome bilhões de dólares. Com relação a este montante, um concerto beneficente não representa quase nada. Folha - Como você vê a atual divisão de poderes no mundo?
Barbara - É uma divisão caótica. Infelizmente, vivemos uma época em que há muito pouca coragem. O trabalho humanitário deveria ser parte de nossas vidas, ser praticado dentro de nossas casas e escritórios. Não se deve temer as pessoas que não são boas conosco. Temos que tomar o futuro em nossas mãos, pensar no futuro de nossas crianças. Não podemos ficar na expectativa dos governantes, que em geral seguem planos que permitem apenas sua reeleição.
Folha - O que você sabe da situação no Brasil?
Barbara - Sei que há uma enorme disparidade entre ricos e pobres. Estou tentando organizar uma visita a alguma organização que cuida de crianças. Minha estada no Brasil será curta mas pretendo realmente visitar alguma organização que procura ajudar crianças desamparadas.
Folha - Como você divide seu tempo entre tantos compromissos?
Barbara - Procuro estar muito presente naquilo que parece ser importante no momento, mesmo que isso signifique algum sacrifício para minha música ou minha vida pessoal.

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