São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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Sinistro consórcio

ANTONIO CARLOS AMORIM

Desmascarado que o jogo do bicho não é (não se sabe se algum dia foi) a romântica e inocente aventura de investir na aposta da esperança, a sociedade está a perguntar se seria possível acabar-se com a secular invenção do Barão.
Veja-se que não se trata de saber se o jogo estaria ou não legitimado pela cultura popular. Quem conhece o perfil médio dos que jogam, sabe que a agora desvendada associação do jogo ao tráfico de drogas e a outras ações criminosas também a eles terá decepcionado.
Tampouco seria o caso de cogitar-se, com a mesma ingenuidade de antanho, da legalização do jogo, como medo de resgatá-lo desse sinistro consórcio. Tal intenção presidiu a criação pelo Estado de inúmeros jogos oficiais. Os resultados estão desvendados: o jogo clandestino cresceu e se uniu ao que há de pior da marginalidade.
O que se indaga é se o Estado teria meios para desmantelar uma estrutura fundada em férrea hierarquia, com claras cadeias de comando e subordinação, fortemente armada e poderosa, cujo código disciplinar capitula a morte como pena máxima para os desobedientes.
Terá o Estado condições de combater e vencer essa estrutura paralela de poder, que se montou à sombra da pusilanimidade, cevada pela corrupção?
Não tenho dúvida em dizer que não, se o Estado dispuser para a luta apenas dos instrumentos que lhe dão as combalidas instituições policiais e a inadequada ordem legal vigente, que mais inibe e emperra a administração da justiça do que a dinamiza.
Mas não hesitaria em responder que sim, caso tal quadro fosse alterado, posto que homens e mulheres de coragem e integridade não faltam, seja na magistratura, no Ministério Público ou na polícia. Seriam medidas capazes de fazer a balança pender para o Estado:
a) ampliar o alcance do disposto no art. 243 e seu parágrafo da Constituição, para sujeitar ao confisco ali previsto, além dos bens apreendidos em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, os bens do patrimônio pessoal dos traficantes e banqueiros do jogo do bicho;
b) rever a legislação penal para que o jogo deixe de tipificar apenas contravenção e passe a constituir crime, em relação ao banqueiro, a par de autorizar o juiz a aplicar a demissão, como pena acessória daquela que condenasse servidor público por comprometimento com o jogo;
c) rever a legislação processual penal para que o processo criminal a que respondesse o acusado de ser banqueiro do jogo adotasse rito sumário;
d) subordinar a condução das investigações ao Ministério Público;
e) renovar os quadros da polícia, civil e militar, pela substituição progressiva de seus efetivos por pessoal que passasse por exigente fase de habilitação, incluindo pesquisa sobre a conduta de cada candidato em suas atividades pretéritas, a exemplo do que está a realizar o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na reorganização de sua guarda judiciária.

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