São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fósseis voam para fora do Brasil

HELIO GUROVITZ

Exemplares coletados em solo brasileiro chegaram a vários museus do mundo sem registro nem autorização

A lei proíbe, mas fósseis são contrabandeados para fora do Brasil. Vários podem ser achados em museus mundo afora. A maioria saiu do país ilegalmente.
Nas Coleções Estatais de Ciências Naturais em Munique (Alemanha) há fósseis de pterossauros, dinossauros com asas que viviam onde hoje é a Chapada do Araripe.
A região fica entre Ceará e Pernambuco e tem mais ou menos o tamanho da Holanda.
"O museu alemão comprava peças sem saber que era ilegal, depois parou", diz Diógenes Campos, do DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral).
O órgão do Ministério das Minas e Energia é encarregado de registrar os fósseis coletados no país, autorizar exposições e expedições nacionais ou estrangeiras.
"O material pode sair legalmente do Brasil, mas fica determinado que volta", diz Campos.
Com o museu alemão chegou-se a um acordo, pelo qual um pesquisador brasileiro foi estudar as peças em Munique. "É a melhor política nesses casos", diz.
No Museu Nacional de Ciência, em Tóquio, foi noticiada em 1992 a presença de um raro pterossauro da espécie Anhanguera santanae (veja foto ao lado).
"Um exemplar de uns 80 milhões de anos, quase inteiro", diz Cástor Cartelle, da Universidade Federal de Minas Gerais.
O DNPM fez acordo com o museu japonês e enviou para estudar os fósseis o mesmo pesquisador que havia ido para Munique.
No ano passado ele e japoneses publicaram um trabalho conjunto sobre o Anhanguera.
Na década de 80 foi apreendida em Manaus (AM) uma grande quantidade de fósseis de peixes que vinham do Araripe.
"O material saía legalmente do país, com autorização da Sudepa, a Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca", conta Campos. Afinal, eram peixes.
Segundo ele, o Museu Norte-Americano de História Natural, em Nova York, recebeu como doação anônima parte dos fósseis que saíam por Manaus.
"Estão lá à disposição de cientistas brasileiros", diz Campos.
O paleontólogo conta que o norte-americano John Maisay chegou a publicar um dos melhores livros sobre os peixes do Araripe, com base nas peças nova-iorquinas.
Segundo Cartelle, um fóssil de jacaré quase completo já foi vendido por contrabandistas a US$ 50 mil (o preço de um apartamento de dois quartos em São Paulo).
"Não sabemos se era uma espécie nova. É vexaminoso para um paleontólogo comprar um fóssil, mas já vi peças brasileiras em Madri, Londres, Paris", diz.
"O problema da venda de fósseis existe em toda a parte", diz Giancarlo Ligabue, do Centro Ligabue de Estudo e Pesquisa em Veneza (Itália).
Ligabue retirou legalmente do Brasil em 1983 seis peças de pterossauro para estudo.
Segundo ele, ao publicar resultados de suas pesquisas, um jornal brasileiro denunciou que as peças tinham sido contrabandeadas.
"O material saiu com autorização e já está sendo devolvido", garante Campos.
A Polícia Federal não tem números centralizados sobre a apreensão de fósseis contrabandeados.
"O governo brasileiro deveria intervir para evitar o saque", diz Ligabue, que já viu pterossauros sendo vendidos em plena praça da República (centro de São Paulo).
Mas os fósseis do Araripe vendidos como lembranças para turistas são em geral bem menores que os répteis de cerca de quatro metros.
Segundo Campos, em fevereiro deste ano dois turistas japoneses foram pegos na porta de um hotel em Juazeiro do Norte (CE) com as malas cheias de fósseis.
"O material foi todo apreendido", diz o paleontólogo.
Embora poucas peças vendidas para turistas tenham valor científico, qualquer retirada dos jazigos tem que ser autorizada.
"Para fins privados o DNPM nunca autorizou retiradas", afirma Campos. Mas ele admite que mesmo alguns cientistas compram o material para estudo.
Segundo Ligabue, a Chapada do Araripe é o jazigo mais importante do mundo com fósseis do período Cretáceo (entre 70 milhões e 130 milhões de anos atrás, logo após o Jurássico).
Para o habitante local, porém, vender fósseis é apenas uma fonte de renda fácil. "A região sofre com a seca. O que cai na rede é peixe", diz Campos.

Texto Anterior: Saiba o que são fósseis
Próximo Texto: A volta da tropa do choque
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.