São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 1994
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O colapso anunciado

JOSÉ SERRA

O colapso da revisão é iminente. Ainda assim, não concordo em simplesmente sepultá-la nesta semana. Creio que ainda é possível, até 31 de maio, emendar alguns artigos que têm maior interferência na conjuntura de curto prazo, como os relativos ao sistema tributário ou às vinculações e transferências de receitas fiscais. Mas não tenhamos ilusões: mesmo que se consiga aprovar essas emendas, ficarão faltando muitas outras relevantes.
Por que a revisão emperrou? As causas principais são quatro: 1) a ação dos "contras", formados basicamente pela esquerda conservadora do Congresso; 2) a estratégia da direita, que atrapalhou a inclusão de pontos importantes na pauta, com o argumento de que atrasariam a votação sobre os famosos monopólios estatais; 3) a elevada taxa de "ausentismo" do plenário do Congresso, doença de causas múltiplas que venho apontando nesta coluna desde outubro do ano passado; e 4) a campanha eleitoral que, além de reforçar o "ausentismo", fomenta nos congressistas o populismo, o corporativismo e a falta de vontade de votar emendas importantes, mas polêmicas.
Aliás, por prever essas dificuldades, propus em 1990 antecipar a revisão do final de 1993 para o final de 1992, fórmula que não prosperou no Congresso, nem teve o apoio das forças empresariais fanaticamente favoráveis à revisão.
Recusada a proposta, sugeri, em setembro de 1993, uma agenda mínima, a eleição do presidente do Congresso revisional e um prazo curto para as votações. Se isso não fosse possível –argumentei na época–, o Congresso teria de salvar a revisão, adiando-a para o começo de 1995 ou desdobrando-a em duas fases. Essas propostas da bancada de deputados do PSDB também não obtiveram o apoio necessário.
E agora? Agora, é imperativo encontrar uma solução que garanta uma reforma ampla da Carta no primeiro semestre do ano que vem. Todos os juristas que ouvi ou li, com a única exceção de meu amigo e guru jurídico, Nélson Jobim, acreditam que é perfeitamente constitucional retomar a revisão no ano que vem, fixando já a nova data de seu término.
Jobim acha que não e apresentou outra proposta, que permite uma reforma ampla e rápida, mas com referendo. Esta idéia do referendo pode ser necessária para consolidar a proposta, mas ninguém se iluda: tornaria mais difícil eliminar as aberrações populistas da Carta ou mudar para melhor qualquer artigo econômico relevante.
Há também a sugestão de uma Assembléia Revisora Exclusiva. Nada a opor, desde que não ultrapasse 200 membros, respeite a proporcionalidade da representação dos Estados, consiga reunir-se em data próxima, com prazo curto e pré-determinado, e encontre uma forma de separar-se das próximas eleições.
É importante também deixar de lado a idéia tola de que políticos não poderiam fazer parte dela. Até Mussolini babaria de inveja por essa nova "Camara del Lavoro", formada por representantes de corporações! O que muitos não entendem, até hoje, é que o corporativismo foi uma das pragas que infernizaram a última Constituinte. A Carta de 88 só não é pior porque, bem ou mal, alguns constituintes políticos foram menos permissivos às pressões das corporações.

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