São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 1994
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A implementação do programa de estabilização

RUBENS RICUPERO

Pouco mais de um mês se passou desde que ingressamos na fase 2 do Programa de Estabilização Econômica, com a adoção da MP 434. Foi amplamente positiva sobre a atuação dos agentes econômicos a introdução da Unidade Real de Valor –URV, e bem aceita pela sociedade sua natureza de etapa de transição necessária para a adoção de uma moeda estável.
Não é surpresa essa reação positiva. Ela se explica, em parte, pelas intensas consultas com diversos segmentos da sociedade que precederam a edição da MP 434.
O setor privado vem gradualmente utilizando a URV. Seu uso já está bastante disseminado na fixação de preços e nos contratos entre comércio e indústria, entre varejo e atacado. Segundo dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90% das empresas daquele Estado já estão adotando a URV. Naturalmente há alguns setores que se vêm adaptando mais rapidamente. Há setores mais competitivos, outros sujeitos à sazonalidade.
O governo está delineando gradualmente o arcabouço normativo para a introdução da URV no mercado financeiro. A emissão em URV de duplicatas e faturas facilitou as operações de venda a prazo. A permissão para que as faturas de cartões de crédito sejam cobradas em URV possibilitou que fosse eliminada a prática comum de cobrança de ágio sobre o preço à vista na utilização dos cartões.
Hoje, os consumidores já podem comprar em prestações fixadas em URV, sabendo quanto pagam de juros. Antes, os juros vinham embutidos nas prestações, e os consumidores nunca tinham uma idéia precisa de quanto estavam pagando de juros reais.
As instituições financeiras já podem realizar operações ativas e passivas em URV, incluindo a negociação nos mercados de índices futuros. O enfoque gradual de utilização da URV no sistema financeiro visa evitar eventuais turbulências, bem como permitir o ajuste dos mercados e instituições a uma nova realidade, de inflação contida, favorável à retomada da produção e do emprego.
O cálculo dos salários pela URV está alcançando o objetivo a que se propunha de constituir-se, durante uma fase de transição, em mecanismo de proteção dos rendimentos da classe assalariada. A fórmula de conversão pela média evitou erros cometidos em programas adotados no passado, que buscavam, a um só tempo, combinar a estabilização da economia com a redistribuição da renda, num único gesto de mágica que tinha tanto de atraente quanto de ilusório. A redistribuição virá, sim, mas como resultado da estabilização da economia, que eliminará as perdas diárias do poder aquisitivo do trabalhador provocadas pela inflação elevada.
O argumento de que a MP gerou "perdas salariais" não se sustenta quando confrontado com a realidade de que as vendas do comércio se vêm expandindo justamente no momento em que são pagos os primeiros salários pela nova sistemática.
Estima-se que o comércio venderá neste mês cerca de 20% a 30% a mais do que em abril de 93. Ao não haver congelado os salários, como em iniciativas anteriores, as novas regras permitem que, em negociações coletivas, cada classe possa ter os ganhos reais que seu setor de atividade puder oferecer, de acordo com a produtividade.
Ainda no balanço positivo que podemos extrair destas primeiras semanas, é preciso incluir o fato de que não está havendo descontrole de preços. A bolha inflacionária de março refletiu a expectativa que cercou o anúncio da MP 434, tendo como pano de fundo histórico a amarga recordação de planos de estabilização que se frustraram. A remarcação preventiva ou especulativa encontrou no governo firme vontade de coibir aumentos abusivos. Temos feito acompanhamento de perto da evolução dos preços, e agido com firmeza quando necessário. À primeira lista de rebaixamento de alíquotas de importação seguir-se-á, em breve, uma segunda.
As tarifas públicas serão gradualmente convertidas em URV durante os meses de abril e maio. O processo deslanchará com as tarifas postais. Na formação de muitos preços do setor privado, as tarifas públicas representam componentes de custo importantes. Sua conversão virá portanto complementar e consolidar o processo de adoção da URV nos preços privados. A mesma relação é válida para os contratos públicos, regumentada por decreto de 14 de abril.
Entre os próximos passos importantes está, naturalmente, a preparação para a fase 3 do plano, que introduzirá o real. Nosso compromisso –e nunca é demais reiterá-lo– é o de ingressar nesta fase sem surpresas, sem congelamentos, com negociação voluntária de contratos. O pré-anúncio de 35 dias para a primeira emissão do real tem como objetivo justamente dar condições aos agentes econômicos para se prepararem, ajustando seus direitos e obrigações voluntariamente. Esta é a melhor garantia de que não se fará necessária a imposição de qualquer medida por parte do governo. Os detalhes das regras para a emissão do real ainda estão sendo trabalhados pela equipe. A nova moeda estável estará lastreada nas reservas internacionais do país e serão criados mecanismos de controle para as emissões.
Nesta etapa do Programa de Estabilização, de implementação da fase 2 e preparação da fase 3, o governo espera do setor privado que esteja pronto para uma realidade econômica inteiramente diversa daquela que vivemos nos últimos anos. Uma realidade em que prevalecerá estabilidade de preços e da moeda, com a consequência de que os ganhos terão necessariamente de ser conquistados na atividade produtiva, na competição com os concorrentes domésticos e externos, na inovação tecnológica, na negociação livre e voluntária com os demais atores sociais, com interferência cada vez menor do governo. O retorno sobre os investimentos se dará talvez em prazo mais longo. O setor financeiro terá de ajustar-se e concentrar-se na tarefa de canalizar a poupança privada, via empréstimos, a investimentos no setor produtivo.
Não haverá lucros fáceis e imediatos, provenientes da especulação. Em compensação, todos nos beneficiaremos da estabilidade da moeda, da previsibilidade dos negócios. A aprovação em 14 de abril, pela Comissão Mista do Congresso, da MP que institui o plano, com pequenas modificações que não o alteram em sua essência, é fato auspicioso. Se confirmada em plenário do Congresso, esta decisão inaugurará um período em que a economia brasileira poderá voltar a crescer de modo sustentado.

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