São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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Franceses dublam filmes para conquistar EUA

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os franceses, que há tempos patrocinam um festival de cinema em Sarasota (Flórida) com o intuito de ampliar sua clientela nos EUA, vão forçar outra porta para o mercado americano, dublando seus filmes em inglês.
A idéia surgiu, justamente, numa mostra de Sarasota e foi de imediato perfilhada pelo ministro da Cultura da França, Jacques Toubon, que prometeu canalizar 15 milhões de francos (cerca de US$ 2,5 milhões) para o projeto.
Daniel Toscan du Plantier, o Jack Valenti da França, vibrou com o apoio estatal. "Vivemos a lamentar a nossa exclusão do mercado americano, mas na verdade pouco fizemos para entrar nele", comentou o chefão da Unifrance.
"Nao conheço um único executivo americano que não queira ganhar dinheiro. Precisamos provar que isto é possível com os nossos filmes, desde que eles possam prescindir de legendas", completa.
Veteranos do ramo, como Alain Vannier e Claude Nouchi, duvidam que a medida abra novas perspectivas para os produtos que a duras penas tentam vender aos americanos.
Nisso dão razão ao cineasta Brian De Palma, que em recente entrevista à atriz Isabelle Huppert, para uma edição especial da "Cahiers du Cinéma", foi taxativo: os americanos não apenas detestam ler legendas, mas também reagem mal à dublagem.
Segundo ele, a saída para os filmes franceses são os canais de TV a cabo, que atendem a uma platéia mais selecionada e proliferam como fungos na América.
Jacques Le Glou, chefe da distribuidora Mercure, vê a idéia com mais otimismo, usando como argumento o fato de a versão dublada de "Nikita" ter vendido na América quatro vezes mais que a original, com legendas.
Ainda assim, mantém-se cauteloso: "Se nao agirmos com o máximo de competência, os americanos continuarão preferindo a versão que Hollywood costuma fazer de nossos filmes".
Custos
Peter Riethof, há 45 anos produzindo versões em inglês para filmes europeus, considera o custo estimado por Toscan du Plantier para cada dublagem (de US$ 50 mil a US$ 100 mil) muito baixo.
"Dublagem com boa qualidade não sai por menos de US$ 200 mil", adianta, lembrando os prejuízos causados pela invasão dos asiáticos na década de 70.
"O mercado sofreu um colapso quando o pessoal de Hong Kong entrou no negocio, oferecendo um produto ordinário, mal sincronizado. Eles pegavam até turistas no meio da rua para dublar filmes em inglês."
Antecedentes
Os franceses, que há décadas convivem com filmes estrangeiros dublados, a exemplo de espanhóis, italianos e alemães, estão prestes a repetir uma estratégia inventada pelos americanos no inicio dos anos 30.
Quando surgiu o cinema sonoro e antes que os europeus dominassem a nova tecnologia, Hollywood passou a produzir filmes em versão dupla, dublando-os em vários idiomas, não raro com o sueco de Greta Garbo, o francês de Maurice Chevalier e o espanhol de Ramon Navarro.
Dispostos a tudo para consolidar seu domínio nas telas, os grandes estúdios chegaram a produzir versões de seus filmes mais comerciais com intérpretes estrangeiros.
Rodados em Hollywood e, por algum tempo, também num estúdio de Joinville, na França, eram rigorosamente idênticos, com os mesmos enquadramentos, só mudavam os atores.
Se não me engano, a última experiência do gênero foi "Ingênua Até Certo Ponto" (The Moon is Blue), que há 41 anos Otto Preminger rodou simultaneamente em inglês e alemão.
Na versão alemã, Hardy Krueger e Johanna Matz substituíam William Holden e Maggie McNamara.
Para o ainda mais escancarado e tecnologicamente defasado mercado latino-americano, Hollywood chegou a produzir 113 filmes em versão espanhola e com atores importados, entre 1929 e 1935.
Fizeram desde clássicos como "Drácula" até produções artisticamente desambiciosas, passando por obras de John Ford ("O Barbeiro de Napoleão"), Howard Hawks ("O Código Penal") e Raoul Walsh ("A Grande Jornada").
A vereda foi aberta pela RKO, que em 1929 dublou "Rio Rita" e faturou uma fortuna. Em poucos meses, Hollywood se viu tomada por artistas especialmente importados das Américas de baixo.
Vieram catar talentos até mesmo no Brasil. Lia Torá, por exemplo, revelada num concurso de fotogenia patrocinado pela Fox. Além da versão em espanhol de "The Boudoir Diplomat", ela participou da versão em francês de "Fifty Million Frenchmen".
Raul Roulien foi outro que contracenou em meia dúzia de filmes espanholados, o primeiro dos quais, "Eran Trece", que aqui lançaram no original ("Charlie Chan Carries On"), com legendas e o título de "Astúcia de Chan".
Conseguirão os franceses conquistar a América com as mesmas armas dos americanos? "Só se os nossos atores, além de falarem inglês, falarem menos", aconselhou um maldoso crítico parisiense.

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