São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994 |
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Inconfidências Históricas em Ouro Preto
ALCINO LEITE NETO
São muitas as inconfidências de Ouro Preto. E, na surdina, ela anda preparando a próxima. Entendeu o que pode significar o título "patrimônio cultural da humanidade", status que lhe foi concedido pela Unesco em 1980. Significa: de um lado, preservar o patrimônio, sim, mas de um outro, procriar a indústria do turismo. Ouro Preto quer entrar no próximo milênio explorando esta mina preciosa que pode lhe render mais que o ouro exportado no século 18. Um ouro sem o quinto, a quinta parte do metal que Portugal exigia da Colônia. Uma lavra que não vai extinguir tão fácil, lavra distante do terror e da depredação. O som das rezas e o gemido dos mártires já não mandam na cidade. Nas igrejas em restauração, operários castigam com seus martelos o rosário das beatas. O burburinho das ruas espanta as almas para o fundo das minas. Ouro Preto é só dilema: explorada pela burocracia, colonizada pelo mito, fetichizada pela literatura, quer ficar independente de seu próprio fantasma. Quer ficar livre da história-calabouço, que a aprisiona no altar de Minas como um relicário, como imagem da sempre-memória e não do futuro. Quer descolonizar seu presente e capitalizar seu passado. A Terra da Fantasia do mulato Aleijadinho entra na era do elevador –o primeiro da cidade está sendo construído no primeiro hotel cinco estrelas (leia à pág. 6-2). O Túnel do Tempo do Mártir Tiradentes e da Inconfidência Mineira passa à época do café expresso e da cozinha internacional. Hoje, 21 de abril, dia da Inconfidência Mineira, a cidade recebe de volta, simbolicamente, o título de capital de Minas (que foi passado para Belo Horizonte em 1897). Por um dia apenas, em cerimônia já antiga e com seu lastro de mofo peculiar, vão lá as autoridades entoar loas a Vila Rica (nome antigo de Ouro Preto), beber no bojo de sua glória antepassada. As cidades-distritos apascentam, já intranquilas, a miséria. A periferia, com suas indústrias de mineração e metalurgia (principal fonte econômica), inventam uma inconfidência industrial postiça. A maioria extrativas, as indústrias não vão durar mais que o tempo que a colonização levou para extinguir as lavras de ouro. O que fazer então com as 62.495 almas (censo de 1990) que habitam o município? Tombá-las como patrimônio histórico? Cidades mortas há muitas em Minas Gerais. O mistério de Ouro Preto não é só ter sabido preservar o que tem de mais rico do passado, escapando do modelo de avanço predatório muito brasileiro. Mistério maior é ela saber fazer este passado respirar com a coisa viva –o Aleijadinho com o menino que corre na rua, o Tiradentes com a mocinha que penteia o cabelo na janela. LEIA MAISSobre as cidades históricas mineiras nas págs. 6-2 a 6-6. Próximo Texto: Pousadas custam a partir de Cr$ 35 mil Índice |
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