São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 1994
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Kickboxing representa a luta pela vida

DA REDAÇÃO

A revista americana "Spin" enviou um de seus repórteres à Tailândia, no sudeste asiático, para conhecer as pessoas envolvidas em um dos esportes mais violentos do mundo: o kickboxing. O esporte ficou conhecido pelos filmes do lutador belga Jean-Claude Van Damme. A luta na vida real é mais violenta do que no cinema. Veja como é luta.
As portas de aço já estavam abertas, prontas para deixar os lutadores de vermelho e azul entrarem no ringue. Eram só 4h30.
Os lugares numerados ao lado do ringue custavam 600 bhats (cerca de US$ 24), mas parte deles formavam um setor especial para familiares, treinadores e amigos dos lutadores, que pouco depois estariam boquiabertos, pulando e gritando "ooooh".
O círculo de numeradas era cercado por uma grade, através da qual os pagantes do setor seguinte (320 bhats), conseguiam enxergar mais ou menos.
Atrás e acima desse setor intermediário havia outra grade, demarcando as arquibancadas onde se amontoavam as massas pagadoras de 120 bhats.
Os dois lutadores entraram no ringue, usando grinaldas e vestes azuis com remates amarelos. Fizeram uma reverência a Buda. Usavam calções vermelho e azul sob as vestes.
Enquanto alguém tocava pratos e outra pessoa soprava num instrumento de som alto e cavernoso, eles se ajoelharam, cada um em seu canto, bebendo água. Joelhos esbeltos movimentando-se como uma dança, o bater duro de um pé contra uma costela –era tão diferente das lutas de boxe que eu havia visto nos EUA, onde eles apenas socam as pessoas.
Mas também tão semelhante, porque aqui também as pessoas aplaudem quando seu herói consegue dar um golpe, e também sempre há um perdedor.
Quando tocou o sininho marcando o fim do primeiro round, os treinadores de Azul jogaram água sobre ele, incentivando e acariciando-o. No fim do segundo round ele teve um arrepio. Já estava mais mole.
No fim do terceiro round ele ficou olhando para seus pés e mal se mexeu quando jogaram água fria sobre sua cabeça. Respirava ofegante, e se apoiou nas cordas quando o levantaram.
No início do quarto round ele deu uma joelhada na virilha de Vermelho, e depois outra em seu quadril. Vermelho não gritou. Os lutadores nunca gritam. Eles têm no rosto a expressão de quem suporta dor: resoluta, fechada.
Vermelho conseguiu colocar um braço em volta do pescoço de Azul. Vermelho o socava por trás e o jogou ao chão. Azul e Vermelho se agarravam pelos pescoços, apertando seus joelhos em volta das pernas e nádegas do outro. Parecia alguma nova e terrível forma de fazer amor.
No fim daquele round, os braços de Azul pareciam galhos mortos. Seus olhos bem abertos não tinham qualquer expressão.
No quinto round, Vermelho deu uma joelhada no rim de Azul. Vermelho atirou Azul contra as cordas e o árbitro acabou por separá-los.
Eles dançaram, mas sem a leveza inicial. Um pé bateu num ombro, e o árbitro anunciou que Azul conquistara o prêmio.
O vencedor ergueu ambas as mãos sobre a cabeça, depois fez uma reverência. O perdedor foi embora. Outros lutadores vieram, e tudo se repetiu.
Quando saí do estádio já era noite. Vi garotas correndo para os salões de massagem onde trabalhavam, e um velho encharcado de chuva vendendo jornais, no meio de um engarrafamento. A vida é sempre uma guerra.

Tradução de Clara Allain.

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