São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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Homenagem 'renova nobreza'

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Leia a seguir trechos da conversa entre Dorival Caymmi e Gilberto Gil, onde o último fala sobre o simbolismo da homenagem que recebe no dia 4 de maio, no Prêmio Sharp de Música.
Gil ainda expõe sua opinião sobre a importância e o alcance de sua música, além de revelar suas principais influências.

Caymmi - Como é ser homenageado?
Gil - É uma forma de mostrar à comunidade quanto devemos reverenciar a música. Os prêmios vêm da idéia de prestar tributo ao cultivo do nosso espírito, feito pela música. Os homenageados renovam o simbolismo que dá nobreza à arte.
Caymmi - No show vão haver várias correntes de música, como Dionne Warwick, Paralamas do Sucesso, Jorge Ben Jor e Tim Maia. Como se sente vendo sua música atingida por essa amplitude de correntes ?
Gil - Vejo o resultado de para onde se projetou minha pequena ambição, para onde se projetou o que eu queria, o que eu sentia quando ouvia presenças distintas na rádio Tupi, na Rádio Nacional, quando era menino em Ituaçu. Vejo o além daquele morro, vejo a indagação que se fazia sobre o que haveria por detrás daqueles morros de Ituaçu.
Essa música foi se esparramando nas minhas composições, nas minhas ousadias. Vejo nisso o que minha música almejava ser, uma música do mundo.
Eu me lembro que na infância, quando ouvia música clássica, associava ao celestial, aos conceitos de música dos anjos. Mas a música cantada, que eu ouvia no rádio do escritório do meu pai, era a música terrena.
Essas coisas todas foram se amontoando e me deram material para eu construir tudo. Os críticos internacionais dizem que não sentem essas influências na minha música.
No meu trabalho não há associações de rótulos. As influências não se manifestam com ligações a estilos. Elas são eflúvios, cheiros, emanações. Esses cheiros se impregnam na sua alma. Não é a flor que vai ficar, mas o perfume dela.
Caymmi - Quais as canções que te influenciaram mais?
Gil - Quase todas as canções de Carnaval, as marchas e sambas. As músicas de carnaval se tornavam afirmações de uma aprovação, de um desejo coletivo. Eram canções instaladoras, eram cancioineiros coletivos.
Músicas de Caymmi, de Luiz Gonzaga, têm esse papel, de criar instância subconsciente de referência. De vez em quando estou no travesseiro e me vem um melodia de cancioneiro na cabeça. Eu ouço isso e sinto a restauração do espírito musical em mim, a cada dia.
"Fascinação", por exemplo, cresceu comigo, é um dedo do meu pé, da minha mão.

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