São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 1994 |
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'A Luta Corporal' de Ferreira Gullar completa quadragésimo aniversário
SÉRGIO AUGUSTO
completa quadragésimo aniversário "URR VERÕENS ÔR TÚFUNS LERR DESVÉSLEZ VÁRZENS." Era assim, em maiúsculas e fazendo um jogo gráfico-sonoro de assustar os olhos da maioria, que os últimos versos de "A Luta Corporal" chegavam ao fim. Corria o ano de 1954 e seu autor, o maranhense José Ribamar Ferreira, então à beira dos 24 anos, acabara de mostrar o caminho das pedras para os futuros poetas concretistas. Hoje, certamente, o próprio autor prefere versos como estes: "As pêras, no prato, apodrecem. O relógio, sobre elas, mede a sua morte?" Que tambem fazem parte de "A Luta Corporal", cujo 40º aniversário o Centro Cultural Banco do Brasil resolveu comemorar com uma exposição de fotos e uma mesa-redonda, às 19h de hoje, com a participação de Gullar, dos críticos Fábio Lucas e Frederico de Morais e do biógrafo de Graciliano Ramos, Denis de Moraes. Ao mesmo tempo, a José Olympio estará lançando uma edição comemorativa do livro, com prefácio de Fábio Lucas. A edição original foi impressa na gráfica da revista "O Cruzeiro", às custas do autor. Escritos entre 1950 e 1953, os poemas que compõem "A Luta Corporal" foram recebidos no arraial literário como um marco revolucionário. "Uma injeção de sangue e paixão na poesia", comentou Murilo Mendes, referindo-se à lírica chocha da geração 45. E todos disseram amém –de João Cabral de Mello Neto a Otto Maria Carpeaux, de Rubem Braga a Clarice Lispector, de Paulo Mendes Campos a Sergio Buarque de Holanda. Além de sangue e paixão, uma anárquica e intuitiva mistura de surrealismo, barroquismo e desalinhos modernistas, abrindo as comportas do experimentalismo que dominaria parte da poesia da segunda metade dos anos 50, com os irmãos Campos, Decio Pignatari, Jose Lino Grunewald e demais concretistas. "Não digo que eu tenha influenciado aquele grupo" –diz Gullar– "mas eles estavam à procura de um caminho novo e reconheceram na 'Luta Corporal' uma explosão da poesia tradicional, uma ruptura com a linguagem poética de 45. O que houve, na verdade, foi um encontro de insatisfações. Mas eu não visava a vanguarda". Depois, visou. Até chegar a um impasse, enterrando caixas e mais caixas no chão, com uma única palavra dentro de uma delas. E se arrependeu: "Cheguei à conclusão de que não conseguiria me expressar através de uma poesia daquela natureza". Enquanto os concretistas iam levando o formalismo mallarmaico às últimas consequências, Gullar, já consciente de que poesia não é concreta, mas abstrata, passou a experimentar com temas e ritmos nordestinos –vale dizer, com a literatura de cordel. "Tentei buscar aqui o que pode ser novo. Parti para uma reconstrução poética da linguagem banal do brasileiro comum, do homem da rua", explica o poeta, evitando a palavra "participante", anátema para muita gente, sobretudo para os concretistas, mas que esteve na moda nos idos de Jango, quando tudo indicava que a praça poderia ser, mesmo, do povo. E os poetas, revolucionários –sem as exigências formais aviadas por Mayakovsky. Texto Anterior: Sepultura faz show mais pesado do ano Próximo Texto: Lixo de Calvin Klein esconde segredos Índice |
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