São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 1994
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A bolha assassina

O Plano Cruzado deixou traumatizados alguns dos economistas que à época comandavam a política econômica. Um dos traumas, talvez o maior, foi presenciar uma explosão de consumo sem precedentes. Com igual violência surgiram ágio, desabastecimento e especulação.
A partir de então uma expressão tornou-se comum no jargão dos economistas: bolha de consumo. Certamente houve outros descuidos na condução do Plano Cruzado, se é que não se tratava de uma concepção equivocada desde a origem. Afinal, aprendeu-se que qualquer congelamento de preços é em si mesmo uma armadilha populista incapaz de sobreviver à realidade de uma economia de mercado.
Os traumas têm, entretanto, a capacidade de sobreviver a mudanças. Assim, hoje fala-se na ameaça de uma bolha de consumo com o terror e a ansiedade que teriam sido oportunos no Plano Cruzado, mas podem tornar-se excessivos numa estratégia de estabilização que não passa pelo congelamento.
A hipótese de uma bolha de consumo iguala, na prática, a existência de uma inflação muito baixa a uma inflação baixa por causa de um congelamento. O Plano FHC, entretanto, não apenas definiu-se desde o início como o oposto de um congelamento, como tem sido conduzido passo a passo como um mecanismo de estabilização voltado à eliminação das causas fundamentais do processo inflacionário.
Isso explica o esforço de ajuste fiscal, explica a própria URV e a conversão dos salários pela média, justifica os juros reais elevados. É tudo para que a transição a um regime sem inflação e sem indexação ocorra sem atropelos, sem artificialismos, o que traria apenas resultados superficiais e transitórios.
Se não há déficit público, se não há emissão para financiar as contas do governo, se não há ganhos salariais, se não há desequilíbrios fundamentais nos preços, parece difícil imaginar que o novo plano venha a nascer sob o signo de uma bolha de consumo. Mais ainda, os dados mais recentes indicam queda no emprego, na produção industrial e até nas vendas a prazo.
Fazer o terrorismo da bolha de consumo agora talvez seja levar o trauma do cruzado longe demais, transformando-o numa fobia. É verdade, se não óbvio, que nenhuma estabilização é possível num regime de explosão do consumo. Mas isso não autoriza que se pretenda forçar uma recessão talvez inútil à entrada da nova moeda. Seria transformar a bolha de consumo numa bolha assassina, de consumidores.

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