São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
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Ciência e sacerdócio

SÉRGIO CESAR R. PEREIRA

JÚLIO CESAR R. PEREIRA
Durante o obscurantismo da Idade Média, a reflexão filosófica e científica se recolheu aos mosteiros, dos quais só se libertou na Renascença, para passar a disputar com a teologia a hegemonia das idéias.
A despeito da forma irreverente e desafiadora com que os novos tempos foram anunciados, como em Nietszche pela boca de Zaratustra ("Deus está morto"), aos cientistas restou muito da ética da vida monacal.
Este atavismo se reflete tanto no comportamento da academia quanto na visão que a sociedade mantém sobre a vida acadêmica. A primeira tende a abstrair-se de compromissos com o modo de produção e com o processo produtivo da sociedade, e esta tende a, contraditoriamente, gravitar entre o respeito místico ao saber e o desprezo às demandas materiais para a produção do conhecimento.
Atualmente, a categoria dos pesquisadores científicos dos Institutos de Pesquisa do governo do Estado de São Paulo se mobiliza por uma recomposição de seus níveis salariais.
Entendem os interessados que a Lei Complementar 727/93, ao ter proposto equação salarial entre carreiras congêneres, equipararia seus salários aos das carreiras docentes das universidades paulistas, o que teria acontecido à época da promulgação da lei, mas que não se observaria nos dias atuais, com uma defasagem já de 30%.
Na administração pública, os níveis de decisão tratam com cautela as demandas do campo da ciência e tecnologia que impliquem despesa. Não sem motivos, porque com frequência têm de decidir sobre um objeto que lhes é estranho e sobre o qual não detém instrumentos de avaliação e controle.
O que se estaria financiando com os investimentos neste campo? Teria toda e qualquer produção científica o mesmo interesse para o Estado?
A conciliação entre as partes só poderá ser encontrada se a comunidade acadêmica superar os limites de sua ética, de forma que o cientista abandone a postura de sacerdote que se entrega inteiramente ao trabalho, e se a administração puder constituir instrumentos que lhe permitam reconhecer a atividade de ciência como um objeto de trabalho que pode ser planejado, avaliado e provido.
O cientista deve se dignar a informar a administração sobre seus projetos e esta deve julgar e acompanhar as iniciativas, dotando-as de recursos. No que interessa à remuneração do trabalho, mais do que salários, há que se criar instrumentos que permitam recompensar a produtividade e o alinhamento às prioridades políticas do Estado.

JÚLIO C. R. PEREIRA, 42, pediatra e epidemiologista, é mestre em ciências médicas pela Universidade de Bristol (Reino Unido) e diretor a Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

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