São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Exército adolescente detém morros do Rio

ANTONINA LEMOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O Comando Vermelho e o Terceiro Comando, principais facções do crime organizado no Rio, viraram uma espécie de exército teen. A maioria dos líderes do tráfico ainda está na adolescência ou saiu dela há pouco.
Segundo o delegado-titular da Divisão de Entorpecentes da Polícia Federal do Rio, Ramon Afonso Neto, uma pessoa de 25 anos já é considerada velha no tráfico.
As organizações são formadas por garotos que se envolvem com o crime entre 7 e 12 anos de idade e que, na maioria das vezes, terminam a carreira mortos, ainda na adolescência.
Segundo o juiz de menores Ciro Darlan, o tempo de trabalho deles é curto porque a maioria é assassinada antes de atingir a maioridade. Poucos são presos.
Segundo o juiz, só 10% dos casos de menores infratores atendidos pelo juizado estão ligados ao tráfico.
Por outro lado, só no ano passado, 656 crianças de 0 a 17 anos foram assassinadas no Rio. Três porcento delas, com certeza, ligadas ao tráfico; 75% não tiveram a ocupação identificada.
Para o juiz, o número de garotos relacionados com tráfico que passam pelo juizado é pequeno porque eles não saem do morro. "O que acontece lá dificilmente chega ao juizado", diz.
Os garotos que não morrem podem subir de posto, e até chegar a "dono de morro" um dia.
Fazer "carreira" no tráfico não é fácil. Para um avião (garoto que vende drogas) virar gerente de boca (cargo mais alto abaixo do dono do morro), ele tem que provar fidelidade e inspirar confiança –-normas básicas do crime organizado.
Marcelo (todos os nomes de garotos nesta reportagem são fictícios), 21, gerente-geral em um morro dominado pelo Terceiro Comando, explica: "Para subir de vida no morro você tem que ser honesto e vender bem".
Marcelo começou como vapor (garoto que trabalha com a venda dentro da boca –local onde se vende droga no morro) quando tinha 17 anos. Virou gerente.
Ele credita isso a sua disposição para trabalhar. "Um gerente não pode ser qualquer um, tem que entender das coisas", diz.
Marcelo ganha cerca de CR$ 300 mil por semana. Ele não sai do morro há um ano. "Sou muito visado, corro risco de vida."
Ele é pai de uma filha de 8 meses e não pensa em chegar a dono de morro. "Assim como estou já está bom."
Quem ainda "não entende das coisas" obedece às ordens de Marcelo e só atira com sua permissão. É o caso de Luís e Roberto, ambos de 15 anos. São vigias onde Marcelo é gerente.
Luís trabalha há dois meses na boca. Antes trabalhava como office-boy. "Perdi o emprego, precisava sustentar os meus irmãos e acabei aqui", diz.
Ele preferia trabalhar como boy. "Eu ganhava menos mas tinha mais tempo de vida."
Roberto não se preocupa com isso. "Não tenho medo de morrer." Ele diz que não pretende largar o tráfico tão cedo. "Quero subir aqui na boca."
Roberto adora atirar. "Quando eu uso o meu 38 (tipo de revólver) acho uma emoção, os caras mandam de lá e eu de cá."
Foi esse mesmo 38 que o garoto apontou para a reportagem da Folha na entrada do morro e depois se divertia com o caso. "Não sabia quem vocês eram. Vi um carro novinho, fui logo sacando a arma." Riu.

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