São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Acordo imperfeito do Gatt é melhor que nada

PAUL SAMUELSON

A Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) foi assinada, finalmente. Foi uma luta árdua e foi preciso fazer algumas concessões lamentáveis. Mesmo assim, um acordo imperfeito é melhor do que nenhum acordo.
Que países irão beneficiar-se dele? Espanha? México? Japão? Alemanha? O pobre e pequeno Equador, os grandes e ricos Estados Unidos?
O peso da história econômica e dos princípios econômicos se mostra favorável ao livre comércio, enquanto mecanismo para elevar as rendas reais, tanto nos países ricos e desenvolvidos quanto nas regiões menos ricas, estejam elas fazendo progressos em direção ao desenvolvimento ou não. Mas não é assim que muitos sindicalistas e legisladores nos Estados Unidos e na Europa encaram a questão.
Eles vão fazer o possível para resistir a quaisquer outras iniciativas futuras do Gatt. Estes protecionistas não dão ouvidos aos economistas. Embora os economistas temam que alguns dos trabalhadores menos treinados e mais mal-pagos dos Estados Unidos sejam os mais prejudicados pelo livre comércio com países em desenvolvimento, os protecionistas temem que os bons empregos sindicalizados no setor manufatureiro deixem as paragens européias e norte-americanas, transferindo-se para a Bacia Pacífica e a América Latina.
O argumento dos principais protecionistas é o seguinte: "Se o México e a Coréia do Sul elevassem imediatamente seus índices salariais horários aos níveis vigentes nos EUA e na Europa, nós aceitaríamos o livre comércio. Mas, mais do que isso, precisamos insistir que os trabalhadores estrangeiros recebam a cara assistência médica e outros benefícios extras que desfrutam os cidadãos dos países industriais mais adiantados.
"E mais: como os movimentos `verdes' nas sociedades ricas conseguiram impor caras restrições à poluição ambiental, é apenas justo que quaisquer acordos de livre comércio entre ricos e pobres exijam paridade de padrões ambientais em todos os países".
Como a ciência econômica vê uma doutrina que insiste em comerciar apenas com outros cujos padrões salariais e ambientais se equiparem aos seus?
O veredito é claramente contrário a esta doutrina. Durante dois séculos a ciência econômica estabeleceu e confirmou a verdade de que tanto ricos quanto pobres se beneficiam do livre comércio, segundo a vantagem comparativa. E não existe pressuposto de que a parte maior do ganho total com o livre comércio fique com a economia maior ou mais rica. Na verdade, economias pequenas e abertas –como Cingapura, Hong Kong e Bélgica– seriam as mais duramente atingidas pelo desaparecimento do livre comércio em prol de tarifas autárquicas, cotas e controles sobre o mercado cambial.
Aqueles que se opõem à liberalização do comércio tentam convencer outros eleitores que concordar com o Gatt e com o comércio mais livre equivale a fazer uma doação de caridade ao mundo em desenvolvimento. Sob este ponto de vista, toda vez que você estiver insatisfeito com outro país por motivos políticos ou econômicos, tem direito de ameaçá-lo com a privação de um favor que você vem concedendo a ele.
Essa doutrina é realmente perigosa. Ela apresenta a tendência constante a colocar em perigo a continuação das trocas abertas e competitivas. E é claro que o perigoso jogo das ameaças e retaliações pode ser jogado por ambos os lados. Assim como as nações mais populosas e eficientes têm uma vantagem quando se trata de travar guerra política, as nações que têm os PNBs maiores possuem uma vantagem natural quando se trata de travar guerra econômica.
Aquilo que soa bondoso frequentemente é o mais cruel. Eu me recordo de um professor de história de Harvard, levemente esquerdista, que concorreu a uma vaga no Senado desde Massachusetts, em 1962. Ele defendia um salário mínimo estadual tão alto que 20% dos cidadãos do Estado correriam o risco de se verem desempregados.
Quando fiz meu bom amigo ver que isso forçosamente faria os empregos migrarem para Porto Rico ou a Coréia do Sul, ele respondeu: "Você não entende. Eu exigiria que a Coréia do Sul aprovasse uma lei elevando o salário mínimo local para US$ 5 por hora". (Em 1962. Em 1994, isso seria equivalente a mais ou menos US$ 20 a hora.)
Eu não poderia imaginar uma iniciativa mais cruel do que essa, que embora visasse ser humanitária teria na realidade efeitos devastadores sobre os povos ainda não desenvolvidos. Uma filosofia desse tipo não resulta na cobrança de impostos aos pobres para aumentar a riqueza dos ricos. Em lugar disso, é uma política que traria perdas para todos, que reduziria a produção mundial e faria cair os padrões de vida por toda parte.
Sim, as nações em vias de desenvolvimento deveriam dedicar mais recursos do que fizeram até agora à causa válida da conservação e defesa do meio ambiente. Sim, à medida que aumenta a produtividade tecnológica de um país, os frutos desta elevação devem ser repartidos amplamente entre todas as classes econômicas.
Apesar disso, falando com realismo, é fato que as regiões mais pobres simplesmente não dispõem da abundância de recursos que lhes permitiria equiparar-se inteiramente aos padrões ambientais e humanitários que serão exigidos, cada vez mais, pelas sociedades mais abastadas do mundo.

Tradução de Clara Allain

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