São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
Texto Anterior | Índice

Pesquisa científica no país tenta se recuperar

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto o Ministério da Ciência e Tecnologia tenta "remendar" a pesquisa no país, cientistas debatiam num seminário em São Paulo –sem chegar a conclusões unânimes– o futuro do desenvolvimento científico do país.
O ministro Israel Vargas, da Ciência e Tecnologia, anunciou que a nova proposta de orçamento no Congresso eleva em 6% os recursos de sua pasta, aumento que considera bom se comparado aos cortes de 16% a 20% em outras áreas.
O Brasil voltou a receber recursos significativos do Banco Mundial para o PADCT (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Esses recursos vêm tanto do governo brasileiro como do Banco Mundial, mas em outubro de 1992 o país, pela falta da contrapartida local, recebia apenas 3,8% da verba do PADCT.
"A torneira fechou no governo Collor", diz Vargas. Hoje o percentual voltou a um patamar mais correto, da ordem de 70%, diz.
O governo também está negociando um empréstimo que poderá ser de US$ 300 milhões ou US$ 400 milhões. Parte dos recursos das privatizações também vai para ciência.
O ministro lembrou na abertura do "Seminário Internacional de Avaliação e Propostas para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico para o Brasil", na Fundação Getúlio Vargas (FGV), que as empresas privadas contribuem com só 15% dos gastos em pesquisa e desenvolvimento no país.
Vargas espera ainda este ano elevar em mais US$ 700 milhões por ano os gastos com ciência e tecnologia. Os gastos totais do Brasil com o setor ficam em torno de US$ 3 bilhões anuais. O orçamento do ministério corresponde a US$ 800 a US$ 900 milhões.
O pano de fundo das declarações do ministro são três estudos sobre a situação da ciência no país, cujo objetivo é a discussão de propostas para o desenvolvimento do setor.
Outro ponto destacado pelo ministro foi a melhora das relações com os EUA. Devido a atritos sobre a lei de patentes, a política de informática e a construção do foguete brasileiro, que os países ricos temem que possa virar um míssil militar, os EUA ameaçaram cortar de modo radical a cooperação científica com o Brasil. O atrito foi resolvido.
O cientista político Simon Schwartzman, da USP e da FGV, propôs o modelo de "laboratórios associados" para proporcionar um fundamento sólido de financiamento aos principais grupos de pesquisa atuando hoje.
O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico) estima, lembra Schwartzman, que o Brasil tenha cerca de 52 mil pesquisadores, mas destes apenas a quarta parte –entre 12 e 13 mil– possuem doutorado, sendo portanto pesquisadores habilitados. Outra quarta parte desse total tem apenas curso de graduação.
Pesquisa militar
Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e coronel da reserva, defendeu a continuidade pelo próximo governo federal dos três principais projetos militares de pesquisa e desenvolvimento.
Os três grandes projetos que ele citou são o programa nuclear paralelo tocado pela Marinha, cujo objetivo é a construção no país de um submarino nuclear; a Missão Espacial Completa Brasileira, que inclui a montagem de um foguete lançador de satélites pela Força Aérea; e a produção do caça-bombardeiro AMX pela Embraer.
Para Cavagnari, os três projetos foram "equivocados", pois o país poderia ter encontrado outros meios para obter desenvolvimento tecnológico. Mas ele acha que seria pior terminá-los agora, quando estão começando a dar resultados.
As dimensões dos projetos militares podem ser medidas pelo custo total do projeto do submarino nuclear: US$ 2,5 bilhões em 20 anos, segundo o professor da Unicamp. Prevê-se para 2005 o lançamento do submarino.
Outro dado que mostra a importância do setor para a sociedade: cerca de 90% dos pesquisadores empregados pelos militares são civis, cujo custo de treinamento foi bancado em grande parte pelas Forças Armadas.
Outro pesquisador da Unicamp, Renato Dagnino, questiona os supostos benefícios econômicos vindos da pesquisa militar, que ele estima consumir 20% do total da verba de pesquisa e desenvolvimento do país.
Nos EUA, diz Dagnino, a pesquisa militar tem peso ainda maior –da ordem de 40%– mas é mais eficaz em termos de valor do produto. Se nos EUA a indústria bélica responde por 4% do PIB (Produto Interno Bruto), no Brasil, em 1987, esse porcentual foi de apenas 0,2% –um resultado dez vezes pior em termos de valor do produto final.

Texto Anterior: Física está em situação crítica
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.