São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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As mortes de Senna

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO – O que é mais perigoso: dirigir na via Dutra ou no autódromo de Imola?
A tragédia tão previsível que foi a morte de Senna denuncia a concupiscência dos empresários da Fórmula 1. Deveria ser tratada como um caso de homicídio praticado por interesses comerciais.
As mortes nas estradas, principalmente as federais, são tragédias cotidianas e mostram o nível de desvirtuamento a que chegou o dinheiro público.
Dinheiro desviado para todos os fins, mas empregado cada vez menos no interesse do cidadão. O estado precário das estradas, onde morrem milhares de pessoas por ano, deveria ser tratado como um genocídio.
Pode-se argumentar que parte dos acidentes ocorre porque motoristas falham, carros quebram. Mas, como no caso de Senna, os problemas imprevisíveis não podem ser potencializados pelo estado crítico da pista.
Um carro de corrida descontrolado não pode encontrar um muro pela frente. A engenharia está aí para contornar as situações de perigo. Não fazer isso é crime. Ainda mais em um local onde os acidentes se tornaram um fator comum.
Uma das funções simbólicas representadas por Senna foi a de sintetizar o papel de herói tardio da saga nacional desenvolvimentista. Tempo em que se construía e se mantinha estradas. A morte de Senna é uma luz a menos no ocaso de uma época.
Hoje, um motorista tem como acompanhante de viagem a incerteza de que vai chegar vivo. Entre ele e seu destino, curvas fatais vêm precedidas pelo mar de buracos e pela falta de sinalização.
Os pilotos de automobilismo espelham de uma forma estranhamente precisa a implantação do capitalismo no país. Esporte de elite, excludente e por isso mesmo tão eficaz em gerar campeões de renome mundial.
Em graus diferenciados de comoção, o Brasil perdeu seu maior campeão de corridas, mas ainda mantém a dianteira em concentração de renda e em acidentes fatais nas estradas.

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