São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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Abertura mal feita

JOSÉ SERRA

A abertura econômica promovida em nosso país desde o início dos anos 90 era necessária, mas tem sido mal feita. Abertura, no caso, significou eliminar os controles quantitativos de importações e reduzir as tarifas, isto é, os impostos pagos pelas importações. Seu objetivo meritório era (e é) forçar o aumento de eficiência da produção doméstica mediante a maior concorrência de produtos externos.
Houve efeitos nesse sentido, mas tem havido também distorções. Vou referir-me aqui a apenas uma delas, decorrente de nosso sistema tributário, que aumenta o preço da produção doméstica em relação às importações. Ou seja, cria desvantagens comparativas artificiais. Imbecilidade deste tamanho não conheço. Até agora, sabíamos apenas que as políticas econômicas nacionais costumavam criar vantagens comparativas artificiais, não o contrário.
Um exemplo simples: entre Cofins, PIS e IPMF, temos um imposto em cascata com uma alíquota de 3%. Um leitor medianamente informado, mas distraído, diria: qual o problema? As importações também pagam os 3%. Acertou? Não, errou. Os produtos importados pagam uma vez só esses impostos, enquanto os domésticos pagam várias vezes. No caso do automóvel: o minério de ferro paga; o aço paga de novo; o chassis paga pela terceira vez; o revendedor, pela quarta. Sempre repicando: imposto sobre imposto. Por isso, a alíquota de 3% pode transformar-se facilmente em 10% na venda final.
Outro exemplo: um produtor de uvas do Nordeste precisa de caixas de papelão para exportá-las. A indústria de papel brasileira é competitiva e em princípio ganharia das importações em preço. No entanto, para o exportador de uvas, a caixa de papelão nacional custará seu preço mais 18% de ICMS. Em troca, a caixa importada está isenta desse imposto por causa do mecanismo do "draw-back", ou seja, são eliminados os impostos que incidem sobre importações reexportadas. Isto, desde logo, não é errado. Errado é tributar a caixa nacional a ser exportada. Assim, de forma cretina, exportamos, em vez de caixas, empregos para a Espanha...
É interessante notar que questões como essas estão praticamente ausentes das preocupações do Congresso. Muitos setores da esquerda (principalmente o PDT, que, na prática do Congresso em matérias econômicas, lidera o PC do B e o PT), em vez de se preocuparem com o emprego, de que tanto falam, preferem angustiar-se com a nacionalidade do dono de uma empresa de minérios. Como se os capitalistas de nacionalidade brasileira oferecessem ar-condicionado no interior das minas, 14º salário e aposentadorias complementares integrais, ou não remetessem também lucros e recursos para o exterior. Esquecem-se de que, no mundo de hoje, não há mais freios burocráticos ou étnicos ao movimento de capitais.
Apesar do colapso da revisão constitucional (que deveria ter sido adiada para 1995, como propus em setembro do ano passado), restam ainda alguns dias para votação. Há emendas que apresentamos para isentar de impostos nossas exportações ou para corrigir, pelo menos, algumas das aberrações tributárias citadas. Isto, além de gerar mais empregos, permitiria ao país suportar alguma sobrevalorização cambial, se ela vier a ocorrer na fase de estabilização. Que tal um acesso de lucidez e patriotismo em nosso Congresso?

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