São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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O PT e a mula-sem-cabeça

LUÍS NASSIF

O 9º Encontro Nacional do PT significou uma abertura nas posições dogmáticas do partido, mas ainda longe se definir com clareza sua tendência final.
A necessidade de compatibilizar os discursos interno e externo acabou produzindo uma mula-sem-cabeça programática. No plano conceitual, registraram-se avanços, mas que, por enquanto, servem no máximo para trazer os "xiitas" do partido da idade da pedra lascada para a da pedra polida.
Um dos pontos relevantes do programa é reconhecer a importância do capital estrangeiro no financiamento no desenvolvimento. Mas, ao mesmo tempo em que se abre mão da tese da moratória automática, o PT mantém uma retórica inconsequente em relação ao tema. O que significa, por exemplo, enfatizar que o país irá recorrer à moratória se suas reservas cambiais estiverem ameaçadas?
É evidente que qualquer nação do mundo irá suspender pagamentos externos se as reservas cambiais caírem abaixo de um nível mínimo de segurança. Mas, a exemplo do que fez o ex-ministro Dilson Funaro –quando utilizou a moratória para contornar problemas internos que enfrentava–, essa retórica representa o típico custo sem benefício. Na época, transformou uma questão técnica num fato político, e em vez de solidariedade, despertou resistências.
Há que se ter o mínimo de análise de custo-benefício para o país, só entrando em confrontos em questões que signifiquem benefícios objetivos. Os investidores estrangeiros –cujos capitais, segundo o programa, são relevantes para o país– certamente vão adorar expor seus recursos a uma lógica tão cristalina como esta.
Sem agenda
Em relação à privatização, o PT enrola-se no mesmo dilema da área externa, de não definir uma posição clara e não conseguir avançar além do discurso da negação. Declara-se contra o Estado-empresário, mas sem nenhuma convicção. Ao mesmo tempo diz-se a favor do monopólio estatal nas únicas áreas relevantes (petróleo e telecomunicações), e a única proposta objetiva em relação ao tema é proceder a uma auditoria e anular privatizações já ocorridas, sem registradas irregularidades.
Existem na praça propostas muito claras de conferir um conteúdo social ao programa de privatização –como, por exemplo, a entrega de suas ações ao FGTS, reestruturado e subdividido em fundos de pensão, com gestão autônoma. O partido limita-se desenvolver o não.
Em outros pontos, o PT comportou-se de maneira mais racional. Na questão agrária, conforme Lula já antecipara à coluna, trocou-se a tese da reforma agrária maciça por um processo gradativo e organizado.
Na área social, o partido adotou a proposta de renda mínima do senador Eduardo Suplicy, apesar dos inacreditáveios argumentos dos "xiitas" –"como podemos apoiar uma tese que também é defendida por FHC?", indagou um líder radical.
De qualquer modo, o partido continua preso a seus dilemas e refém de sua própria máquina. O alheamento da ex-prefeita Luiza Erundina e do deputado José Genoino das discussões sobre os principais temas mostra que não é nem voto nem o respeito da opinião pública quem confere poder, mas apenas a capacidade de manipular os evangélicos do partido. Os moderados conseguiram domá-los apenas através do exercício exaustivio do discurso radical –ainda que despido de conteúdo.
O acordo entre Lula e as facções mais radicais foi obtido em cima de argumentos táticos, o velho vício autoritário da esquerda radical, de balizar as ações pela "correlação de forças". O recado que se passa é claro: aceitamos teses moderadas, mas apenas enquanto a tal correlação não nos for favorável.
Ao longo dos anos, esta visão tática estreita tem se constituído no principal empecilho para que estes setores possam ser considerados parceiros confiáveis no jogo político.
Há um grupo modernizante no PT assessorando Lula. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido, até transformar o partido em um instrumento homogêneo de modernização institucional.

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