São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Derviches hipnotizam com ritual sagrado

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Difícil dizer o que a cerimônia dos Derviches Rodopiantes da Confraria Mevlevi proporciona ao público em geral.
Até sábado, menos hoje, eles se apresentam no Sesc Pompéia. Formado por religiosos muçulmanos, o grupo inaugurou segunda-feira o 4º Festival Internacional de Artes Cênicas de São Paulo.
Realizado por 13 músicos e 12 dançarinos, todos homens, o ritual dos Derviches não é um espetáculo.
À parte um foco de luz vermelha iluminando um ponto que significa Meca, a cerimônia não tem efeitos de luz, nem se vale de qualquer artifício cênico.
Para quem espera um espetáculo no sentido convencional, pode ser desconcertante. Pessoas comuns, os dançarinhos vestem-se toscamente. As saias brancas, longas e rodadas, seguem o fluxo dos movimentos que realizam.
Formando uma circunferência em volta dos corpos, as saias evocam o movimento cósmico do universo, que cada derviche parece buscar dentro de si.
O despojamento é total. Coreograficamente, o ritual se compõe apenas de bailarinos girando em torno do próprio eixo, sempre o mesmo ritmo e incessantemente, como se cada um tivesse atingido a eternidade.
Uma energia delicada flui dos bailarinos. Com absoluto controle do equilíbrio, usam como apoio a perna esquerda, sobre a qual realizam suas rotações.
Os braços ficam abertos lateralmente. A palma de uma mão se mantém voltada para o céu, a outra para a terra. Nada parece atingi-los. Segundo a filosofia sufi, que inspira os derviches, o bailarino entregue a essa dança se encontra com seu deus interior.
Conduzindo esse estado de enlevo espiritual, a música assume poder encantatório. É uma atração à parte, dominada pelo som da flauta Ney (pronuncia-se "nai").
Não à toa, artistas como o teatrólogo Peter Brook, a coreógrafa Carolyn Carlson e o compositor Peter Gabriel se aliaram às criações musicais de Ahmed Kudsi Erguner, atual diretor (ou mestre, como eles preferem) dos Derviches Mevlevi, para produzir seus espetáculos.
Segundo o guru dos derviches, o poeta sufista Mvlana Djélal-Eddin Rumi, que viveu há 700 anos, o som da flauta Ney, feita de madeira de plantas que crescem nos pântanos, significa o estado de pureza do ser humano.
Em sua trajetória através dos tempos, a dança dos dervixes inspirou o Ocidente e o Oriente. Na Europa, por exemplo, impressionou o húngaro Rudolf Laban, um dos precursores da dança moderna.
Ao ver os derviches, Laban percebeu um princípio que aplicaria aos seus ensinamentos –a dança como necessidade interior.
Para quem procura entretenimento, a cerimônia dos Derviches Mevlevi pode representar nada. Tudo depende do estado e da receptividade de cada um.
Tédio é impossível sentir, já que o caráter hipnótico das danças desfaz, no mínimo, o ânimo que o espectador traz de casa ou da rua.
Baseado no essencial, o ritual derviche remete ao caráter mais primordial da arte, quando havia danças de iniciação ou de fertilidade.
Lembra também que a dança, ao liberar o bailarino da racionalidade, se introduz nas regiões da imaginação e da intuição. Mostrada como natureza humana, essa dança se incorpora ao cotidiano e não precisa de aplausos, como pedem os Derviches Rodopiantes da Confraria Mevlevi.

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