São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rito

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foram só a Globo, o SBT, a Bandeirantes, a Manchete, enfim, todas as redes de televisão do país, que exageraram na cobertura do cortejo e do velório de Ayrton Senna. Durante o dia a rede CNN, americana, mas de público mundial, acompanhou o luto de São Paulo e do Brasil.
Foi um ritual, com todos os exageros esperados de um ritual do gênero. Mais, um culto próprio da televisão. Ayrton Senna, um ídolo distante, criado com as imagens da televisão, da Rede Globo, no Brasil, ganhou a cerimônia apropriada, na mídia apropriada. E, mais uma vez, emocionou.
Começou antes mesmo da aterrissagem do avião, com a decisão das maiores redes de atravessar a noite, aguardando a chegada. O rito de massa, propriamente, foi aberto ao amanhecer, no aeroporto, seguindo depois com o desfile nas ruas, as bandeiras, depois a Assembléia, o tumulto.
"Um milhão de pessoas", exagerou, retumbante, o Jornal Nacional, repetindo o número do comício final das diretas, dez anos atrás. Um exagero, mas ninguém vai questionar, como ninguém questionou em 1984. Em ritos assim, até erros ou exageros são uma parte da catarse de massa.
Leonardo Senna
Muitos foram e falaram no ritual –políticos, esportistas, artistas– mas as imagens ou palavras de maior impacto foram de Leonardo Senna, irmão do piloto, que surgiu em quase todas as televisões e rádios no final da tarde. Com emoção, quase gaguejando, procurou expressar a revolta.
Antes, o agradecimento: "Nós todos estamos muito emocionados, hoje, durante o dia, durante a chegada do Ayrton, durante a vinda dele para cá. A gente não imaginava que o amor dos brasileiros por ele fosse tão grande."
Em seguida, toda a revolta: "A razão de eu estar aqui é que a gente não compreende como naquela curva não existia nenhum tipo de proteção. Se houvesse uns pneus, uma caixa de brita, alguma coisa, talvez ele estivesse vivo hoje."
Câmera coberta
O instante de constrangimento da cerimônia em massa, via televisão, foi aquele em que ela deu lugar para a cerimônia em família. O pedido de meia hora para o culto privado não foi atendido pela Bandeirantes e pela Globo, a última chegando a ter sua câmera coberta.

Texto Anterior: 47% acham que houve acordo pró-Fiuza
Próximo Texto: Novo inquérito investiga compras de Quércia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.