São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994
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Todos os times se encontram na `Big Apple'

DAVID DREW ZINGG
EM NOVA YORK

Se você é claustrofóbico ou fagofóbico ("fag" quer dizer gay, aqui na Gringolândia), tio Dave tem uma dica para te dar: fique longe de Nova York entre 18 e 26 de junho.
Estas datas incluem três das sete partidas da Copa do Mundo entre Itália, Irlanda, Noruega, Arábia Saudita e Marrocos. Mas os eventos que deverão atrair as maiores multidões serão os Jogos Gays, no estilo das Olimpíadas, e as comemorações do 25º aniversário dos tumultos de Stonewall, um levante pelos direitos dos gays ocorrido em Nova York.
Se tudo correr conforme o previsto, cerca de 1,2 milhão de visitantes homo e heterossexuais de toda a Gringolândia e mais de 60 de outras lândias serão alojados, alimentados e providos de bebida, num frenético balé que fará o Carnaval na Sambalândia parecer uma brincadeira de amadores.
O pessoal que está organizando essa semana amalucada diz que as multidões de espectadores, atletas e simples festeiros poderão rivalizar com aquelas que se reuniram para festejar o Bicentenário dos Estados Unidos, em 1976. O conjunto de eventos poderá engordar os cofres da "Big Apple" em três quartos de US$ 1 bilhão.
Para dar a vocês uma idéia da escala da coisa toda, os organizadores da Copa do Mundo estão arranjando transporte e credenciais para apenas 7.000 representantes da mídia. O dia-chave para você ficar longe de Nova York será 26 de junho, quando se prevê que mais de 300 mil manifestantes gays e lésbicas se desloquem da sede da ONU para uma gigantesca manifestação pelos direitos dos homossexuais, no Central Park.
Segundo as previsões, clubbers e drag queens de Sampa deverão enviar uma delegação de dimensões consideráveis aos dias amalucados de junho.
Comida do povo
Na gíria da Gringolândia, "pig out" significa literalmente transformar-se num gigantesco porco gorduroso e de barriga cheia. Se você quiser concretizar a metáfora, só precisa se deslocar até o novo restaurante que ostenta seu nome em neon vermelho: Virgil's. Ele está localizado, convenientemente para quem vem de Sambalândia, na rua 44, a dois passos da quase-nova Times Square.
Outro dia vosso tio Dave fez o maior sacrifício que se pode pedir a um repórter e chegou perigosamente perto de dobrar seu tamanho já exagerado com apenas uma refeição à base de comida simples e caseira ao estilo antigo.
Este é o palácio do "barbecue" (churrasco), a comida dos sonhos do povão local.
Tudo que você pode pedir aqui é defumado e apimentado, no melhor estilo texano. O Virgil's oferece até uma versão sulista de feijoada, chamada Memphis Barbecue Beans, cozida com restos da cozinha –ou seja, carne, presunto defumado e pedaços de salsicha. Para acompanhar, você pode escolher de uma lista de apenas 83 diferentes cervejas. O Virgil's parece saído de uma cena de Carnaval, mas –arroto– vale a pena.
Quayle volta ao ringue
Para o Macaco Velho em Política Dave, Dan Quayle é o Richard Milhouse Nixon do próximo século. Você deve lembrar-se dele, Joãozinho –ele foi vice do branco, protestante e anglo-saxão George Bush. Quayle será notado pelos historiadores por haver tentado acrescentar um "e" no final da palavra "potato" (batata). O problema foi que o dicionário inglês não concordava com a versão modernizada do esperto ortógrafo.
Quayle é um reacionário de direita da escola antiga. Ele foi um republicano capaz de alegrar o coraçãozinho sujo de Nixon. Quando Bush perdeu, carregando Quayle de roldão em sua queda, a imprensa lamentou a perda de um alvo fácil.
Agora Danny Boy está de volta, depois de passar os últimos 18 meses procurando entender como se tornou o político mais ridicularizado da história americana. Ele está disposto a retaliar com um novo livro que, ele espera, poderá transformá-lo em concorrente sério à Presidência norte-americana. Não ria, Joãozinho –coisas mais engraçadas já aconteceram.
A história de Quayle está sendo lançada esta semana pela editora HarperCollins. No livro, Quayle afirma que na corrida contra Clinton, a equipe de Bush realizou "a campanha presidencial mais mal-planejada e executada de um candidato em exercício neste século".
Esta é a preparação que Quayle está fazendo para candidatar-se ao cargo de chefão da Casa Branca. É até possível que ele tente já em 1996. Seu maior problema será apagar sua imagem de trapalhão. Nunca diga "nunca" em política. Nixon conseguiu.
Dinheiro fácil
Todo mundo sabe que demora um pouco para uma boa idéia pegar na Sambalândia. Por exemplo, quando foi a última vez que você comprou uma coisa sem pagar o dobro do que ela vale? Bem, aqui vai uma idéia que, na previsão do tio Dave, deve quebrar todos os recordes de rapidez em ser adaptada em Sampa.
Esta idéia vem diretamente daqueles simpáticos ladrões de rua que, enquanto você faz uma boquinha barata no Gero, pegam o radio de teu carro de sobremesa. Aqui no Norte, no mundo real, eles já desistiram do pudim e estão indo diretamente ao "creme brulée" dos artigos roubados de carros: o saco de ar.
Um grupo de informações sobre seguradoras daqui diz que os ladrões estão roubando a caixa que contém o saco de ar não explodido e vendendo-o às lojas de conserto por US$ 150. Aí os simpáticos rapazes cobram dos infelizes proprietários de carros que precisam substituir seu saco de ar roubado (com dinheiro da seguradora) entre US$ 700 e US$ 1.200. O porta-voz das seguradoras diz que o roubo de sacos de ar é "um novo mercado em expansão".
Se você anda lançando olhares invejosos àquelas BMWs novinhas em folha, desista. Faça como o Macaco Velho das Ruas Dave. Fique com tua luxuosa Variant ano 77, à prova de roubos e sorria o sorriso dos sábios.
Lábios ardentes
Os protestos político-sociais têm por hábito serem mortalmente tediosos –basta pensar naqueles bancários desfilando pela avenida Paulista, tentando imitar Lula no alto-falante em cima do caminhão. Aqui na Gringolândia, o auge do teatro de rua poético nos anos 60 foi um bando de estudantes vestidos de camponeses vietnamitas.
Agora, graças a um grupo chamado as Vingadoras Lésbicas, suas manifestações pelo menos têm a aparência de serem dirigidas por Gerald Thomas ou por um dos irmãos Marx –decididamente, uma melhora. As Vingadoras Lésbicas protestam contra uma tragédia real –engolindo fogo.
No ano passado, no Estado do Oregon, uma lésbica e um gay morreram queimados quando um coquetel Molotov foi atirado na casa que dividiam. Um mês depois, durante o Halloween (dia das bruxas), as Vingadoras comeram fogo, gritando: "O fogo não vai nos consumir. A gente pega o fogo e o torna nosso".
As Vingadoras são pessoas meio engraçadas. Na estação Grand Central de Nova York, no Valentine's Day (dia dos namorados), elas ofereciam aos transeuntes um doce da Gringolândia conhecido como "chocolate kisses" (beijos de chocolate) com a mensagem: "Você acaba de ser beijado por uma lésbica".
O grupo lança um aviso às pessoas: não tentem repetir o número de comer fogo em casa. Se você fizer errado, "teus pulmões vão explodir".
A noite das noites
O Velho Pregador Dave descobriu a maior noite única da música gospel em Nova York e, talvez, nos EUA inteiros. Ela acontece todas as segundas-feiras à noite no Oak Room do Hotel Algonquin. Como você sabe, Joãozinho, o Algonquin é o hotel que se tornou famoso por sua lendária mesa redonda, onde os cérebros humorísticos da velha revista "New Yorker" costumavam se reunir para tomar martínis e tirar sarro uns dos outros. O hotel pertence ao grupo brasileiro Aeoki.
O que acontece aqui no Algonquin é pura e simplesmente extraordinário. Uma noite destas eu ouvi Joe Williams, Roberta Flack e Andrea Marcovici cantando um show chamado "Songmasters Inside-Out".
Na segunda-feira passada fiquei hipnotizado e enaltecido por uma noite de gospel que ostentou talentos raros como Chaka Khan, Phoebe Snow, Mavis Staples, Thelma Houston e Ce Ce Peniston. Foi a noite mais emocionante que já vivi na vida, exceto por aquela em que ganhei meu primeiro beijo de Ellen Green.
A grande Chaka Khan estava sentada, nervosamente bebericando uma vodca com aspirina antes do início do show. "Sou católica", disse ela. "Me dê a Ave Maria e eu sei o que fazer com ela. Adoro este negócio de gospel, então vamos ver o que sai."
Essa noite de música gospel foi a diversão mais gloriosa de que me recordo. Não acontece todas as semanas, de modo que aconselho vocês a telefonarem para o Algonquin quando passarem por aqui.

Tradução de Clara Allain

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