São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994
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Obra quer impulsionar mercado de viagens

ANTONIO CARLOS SEIDL
DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

\<FT:"MS Sans Serif",SN\>Alastair Morton, co-presidente do consórcio
Crédito Foto: Eurotunnel/Divulgação
Vinheta/Chapéu: \<FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>EUROTÚNEL/ENTREVISTA\</FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>
Obra quer impulsionar mercado de viagens
Sir Alastair Morton, 56, presidente britânico do consórcio Eurotunnel (o presidente francês é André Bénard), disse à Folha que a obra oferecerá o "mais avançado sistema de transporte do mundo".
Sir Alastair diz que o túnel acrescenta "uma nova dimensão" às viagens entre a Grã-Bretanha e o continente europeu.
O consórcio tem pressa em transformar o Channel Tunnel em um sucesso comercial, gerar lucros para pagar os empréstimos e remunerar seus acionistas.
Sir Alastair não conta com uma situação de lucratividade a curto prazo. "Primeiro vamos pagar os juros dos empréstimos", diz. "Os acionistas sabem que os dividendos só virão no próximo século".
Ele convidou a Folha para uma conversa "de meia hora", respeitada com a pontualidade britânica, na sede londrina do consórcio anglo-francês, onde funcionários, sinais e publicações são bilíngues, um exemplo da "entente cordiale" desse final de século, tornada possível pela maior obra de engenharia civil da Europa.

Folha - Qual é a importância do Eurotúnel no atual processo de unificação da Europa?
Sir Alastair Morton - A ligação permanente entre a Grã-Bretanha e o continente europeu, via França, tem um significado geopolítico tão importante quanto o objetivo de proporcionar um sistema eficiente de transporte entre os dois países.
O projeto não vai apenas contribuir para a economia dos dois países, com mais viagens de turismo, negócios e transporte de cargas, mas também aproximar mais a Grã-Bretanha de seus vizinhos europeus nessa época em que o sonho de uma Europa unida torna-se uma realidade.
Folha - Qual será o impacto do túnel do Canal da Mancha no mercado de viagens entre a Grã-Bretanha e o continente?
Morton - Esse mercado já conta com um sistema de transporte de viagens aéreas e marítimas bastante eficiente. É um mercado muito grande, principalmente por causa das viagens de férias de turistas britânicos e das viagens de negócios de empresários britânicos.
Atualmente cerca de dois terços do comércio exterior britânico são feitos dentro da CEE.
Folha - Qual será o papel do túnel nesse mercado?
Morton - O túnel vai acrescentar uma nova dimensão ao mercado. Em primeiro lugar, vamos oferecer um sistema de transporte muito mais eficiente.
Acreditamos que quem tiver a alternativa de tomar um trem no centro de Londres direto ao centro de Paris em uma viagem de apenas três horas dificilmente optará por uma viagem de avião. Em segundo lugar, os usuários não precisam fazer reservas para utilizar nosso sistema de transporte.
Folha - O túnel vai provocar um colapso no transporte marítimo entre a Grã-Bretanha e a França?
Morton - Não há dúvida de que muitas pessoas continuarão a preferir as viagens marítimas. Nosso alvo, porém, é conquistar 50% do mercado do transporte de carros e seus passageiros em dois anos.
É uma ambição muito modesta. Cerca de 7 milhões cruzam o canal da Mancha por ano levando cerca de 13 milhões de passageiros. Os britânicos respondem por 70% desse mercado. Os europeus do continente não vêm tanto à Grã-Bretanha. Acreditamos que o túnel vai reverter essa proporção.
Folha - Por quê?
Morton - Porque é um sistema direto entre Paris ou Bruxelas e Londres. Haverá um grande impacto no fluxo de turistas para a Grã-Bretanha. Esse é o mercado que pretendemos desenvolver.
Queremos uma parcela substancial do atual mercado de turismo, carga e de negócios, mas também acreditamos que o túnel vai gerar mais tráfego.
Vamos criar mais viagens. Viagens que não seriam realizadas se não existisse o túnel. O segredo disso está nas mãos dos especialistas em marketing.
Folha - Qual será a estratégia de marketing para "vender" esse novo serviço?
Morton - A empresa Eurotunnel vai fazer propaganda apenas do serviço de "shuttle", os trens para o transporte de passageiros e veículos entre os terminais britânico e francês de cada lado do canal da Mancha. O marketing das viagens entre as capitais está a cargo das redes ferroviárias nacionais.
Folha - Como a campanha de marketing vai lidar com a questão a segurança de uma viagem em um longo túnel?
Morton - Essa é uma das questões mais importantes para nós. Nossas pesquisas mostram que há muita preocupação dos futuros usuários com a segurança das viagens. Mas não vamos começar campanhas nesse sentido antes da inauguração do túnel.
Nossa estratégia prevê que a mensagem sobre segurança e eficiência vai se espalhar de boca em boca de passageiros satisfeitos.
Folha - Qual é o nível de segurança do túnel?
Morton - O túnel é o sistema de transporte mais seguro do mundo. Foi escavado com a perfuração de uma rocha bastante espessa. A estrutura é muito forte. Os túneis são unidirecionais. O risco de colisões de frente foi eliminado.
Todos nossos trens estão equipados com um sistema de controle eletrônico que impede o erro humano. O trem não fará o que não está programado eletronicamente para fazer.
Eliminamos também a possibilidade de descarrilhamento. No caso extremamente improvável de um trem sair dos trilhos, ele não tombará porque o túnel foi desenhado para manter os trens em pé.
Folha - Outros aspectos polêmicos são os imensos custos do projeto, US$ 13,5 bilhões, e a perspectiva de rentabilidade. Quando o túnel vai pagar seus financiadores e dar lucros?
Morton - Construir um túnel debaixo do Canal da Mancha é a maior aventura desse mundo.
Sempre fomos otimistas quanto ao sucesso do empreendimento, mesmo quando nossos financiadores torciam o nariz e ameaçavam não dar mais empréstimos, assustados com os crescentes custos.
Ultrapassamos várias vezes nossas estimativas de custos. Desde o início dissemos aos nossos investidores que eles não receberiam dividendos nos primeiros anos. Agora estamos dizendo que não receberão dividendos neste século.
Apesar do fato de que não temos ativos reais nem uma história de lucros e de que não estamos ainda em operação, investidores ao redor do mundo compraram nossas ações, contribuindo com US$ 2,4 bilhões para o financiamento do projeto.
O valor de mercado dessas ações hoje alcança US$ 4,5 bilhões. Isso mostra a confiança dos investidores no sucesso do túnel.
Não vamos dar lucro a partir do dia da inauguração. Mas dentro de 5 a 6 anos as ações do túnel vão representar um investimento seguro.

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