São Paulo, sexta-feira, 6 de maio de 1994
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Paralamas respondem crítica a seu último disco

HERBERT VIANNA
BI RIBEIRO
JOÃO BARONE

HERBERT VIANNA; BI RIBEIRO; JOÃO BARONE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A "Folha de S. Paulo" tem cultivado um tipo de jornalismo cultural em que a polêmica artificial/desnecessária e o tom "engraçadinho" têm mais valor do que a informação e o pensamento crítico.
O jornalista padrão "estilo Ilustrada" visa, em suas críticas, despertar o ódio e o sentimento de injustiça do criticado, só para gerar mais uma dessas insuportáveis sequências de réplicas, que criam a ilusão de que o jornal é "ativo" e que devem interessar apenas aos editores, pois só provocam o tédio dos leitores.
O jornalista quer se transformar em uma estrela e, para isso, se utiliza de qualquer recurso retórico de baixo nível, de qualquer piada que seria recusada no pior programa de humor da televisão, numa atitude totalmente irresponsável.
Alguns jornalistas, como Luís Antônio Giron, assumem esse modelito de mulher-barbada, de freak-palhaço, produzindo "polêmicas" em série, só para chamar a atenção do leitor para o nada careta metido a moderninho que domina o circo de nossos cadernos "ilustrados".
Não precisamos falar dos efeitos perniciosos que esse tipo de estratégia jornalística desencadeia no Brasil, sendo a Folha um jornal formador de opinião. Pior para os leitores (que ficam sem nada de interessante para ler), pior para a cultura brasileira. Um exemplo perfeito desse tipo de jornalismo palhaço é a "crítica" que a já citada mulher-barbada-mor, Luís Antônio Giron, fez de "Severino", último disco de nossa banda, Os Paralamas do Sucesso.
A vontade de fazer graça é tão grande que o jornalista mente só para criar uma nova piada. Não existe outra razão, além do intuito de fazer palhaçada, de, em uma crítica de disco, se falar dos "turbantes e bonés que Herbert Vianna usa para esconder a careca" ou do "salão de Madame Vianna" (esses trechos também denunciam problemas e fantasias pessoais de procedência suspeita aos quais o palhaço jornalista se dedica).
Tudo é retórica requentada, que só serve para esconder, além de um ódio pessoal assombroso, a ausência de argumentos críticos, de coisas interessantes para se dizer (falar bem ou mal é um problema secundário) sobre o trabalho que deveria ser comentado.
Por exemplo; é mentira dizer que Phil Manzanera foi exumado de um pub. Todo bom conhecedor de rock sabe que a carreira de Manzanera como guitarrista, compositor e produtor é um exemplo de excelência artística, dentro e fora do Roxy Music, e que hoje ainda está se diversificando em outros interesses e atividades.
Em nosso primeiro encontro com Phil, ele havia acabado de produzir o disco do grupo espanhol Heroes del Silencio, sucesso estrondoso em toda a Europa, e estava saindo para tocar com uma banda que incluía Jack Bruce, Simon Philips e Mick Taylor. Sua carreira solo inclui discos que ampliaram as fronteiras experimentais da música contemporânea, como "Primitive Guitars" e "801 Live", com Brian Eno.
Sem o complexo de inferioridade terceiro-mundista que leva "jornalistas" a se referirem aos latinos como cucarachas, com um espanhol fluente e genuíno interesse pela música latina, Phil tem a segurança de quem participou do melhor da história do rock e de ser o único guitarrista a quem Hendrix deu uma de suas guitarras. Giron esconde essas informações do leitor só para continuar sua carreira circense.
É chocante ver as distorções mais desavergonhadas serem publicadas em um dos jornais mais importantes do Brasil. Ou essas distorções são sintomas de uma burrice congênita de seu autor?
Porque só um burro pode dizer que "Vamo Batê Lata", uma música claramente celebratória, que fala em "alegria-arrastão", nos ônibus-batucada que alegram os fins-de-semana cariocas, no grupo Moleque de Rua e na "nova língua" de Carlinhos Brown, traz "três quadrinhas sobre como é triste ser pobre e andar de lotação".
Só alguém muito burro e que não consegue ler a ficha técnica de um disco pode afirmar pela décima vez que no disco "Os grãos" o produtor Liminha "jogou nas onze", quando ele tocou apenas uma guitarra e nada mais. Uma guitarra, entendeu agora?
E quem é Giron para afirmar que o espanhol de Herbert, já elogiado na primeira página do "Clarín", é de "Sidney Magal" ou "provoca engulhos"? Essa não parece ser a opinião do público da Argentina (pelo qual Giron tem evidente desprezo –desprezo racista que também demonstra pela nova negritude baiana do Olodum e da Timbalada).
Na Argentina, o disco anterior dos Paralamas é platina dupla, o novo é o ouro antes de chegar às lojas e em nosso último concerto tivemos noventa mil pessoas em La Plata, capital da província de Buenos Aires.
E aonde estão os "colchões oceânicos de teclados"? A única faixa que se apóia em teclados é a bônus-track "Casi un Segundo", onde Egberto Gismonti toca com sua sensibilidade habitual um piano e um Oberheim anos 70.
É para confiar então no freak-show de Giron, na opinião do público da Argentina (onde existe um jornalismo cultural de altíssimo nível) ou no bom gosto de Gismonti? Depois, não adianta se dizer arrependido do que disse sobre "Os Grãos", como Giron fez em entrevista ao jornal "O Globo", nem os elogios para "Ê Batumaré". Quem é imbecil será sempre imbecil. Essa qualidade intelectual é algo totalmente à prova de arrependimentos.
Sabemos que responder críticas como essa é cair na cilada armada por jornalistas e editores contra a cultura brasileira. Escrever uma réplica é alimentar esse estilo de jornalismo que deveria ter fim o mais rápido possível. Mas não podemos e não vamos deixar que a burrice e a palhaçada tão perfeitamente exemplificadas em Luís Antônio Giron tenham a última palavra, nem que o leitor acredite em suas mentiras.
Pensamos, concordando com Oscar Wilde, que a crítica, mesmo a de um jornal, pode ser uma obra de arte. O que importa não é o achar bom ou ruim (repetimos: isso é o que menos importa), mas a qualidade do pensamento por trás do achar bom e ruim. O crítico pode, mesmo destruindo determinado trabalho, ter coisas interessantes e importantes para dizer sobre a arte boa ou ruim, sobre o mundo, sobre a função da arte no mundo. Isso é bem diferente de fazer palhaçada.
O crítico não palhaço é um artigo de primeira necessidade no Brasil contemporâneo. É preciso que o leitor dos jornais volte a ter coisas interessantes para ler, que possam contribuir para sua formação intelectual.
Ninguém suporta mais as gracinhas e polêmicas criadas em redações. Quem só tem palhaçada para escrever deve procurar um circo verdadeiro. Se os jornais continuarem inundados por esse estilo "gracinha", é melhor sair da gráfica e ir direto para a feira, para embrulhar peixe de terceira.
P.S.: Como "usurpadores" do trabalho de Antônio Bispo do Rosário, acabamos de concluir a descupinização do local onde se encontra a sua obra, toda feita em material extremamente perecível. Continuaremos a buscar fundos para que se possa alcançar as condições mínimas de conservação da obra.

HERBERT VIANNA (vocal e guitarra), BI RIBEIRO (baixo) e JOÃO BARONE (bateria) formam o grupo Os Paralamas do Sucesso

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