São Paulo, sexta-feira, 6 de maio de 1994
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Eleições e governabilidade

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

"Eu não falo do que eu penso, eu falo do que vai acontecer"
(atribuído a Tancredo Neves)

Numa eleição presidencial, é necessário analisar as candidaturas distanciando-se de suas próprias preferências e expectativas. Nesse sentido, minha análise estará evidentemente influenciada pelo fato de que as qualidades pessoais dos candidatos, seus "programas" de campanha, seus partidos de origem e suas coligações pouco me importam. Ou melhor, me importam apenas na exata medida em que contribuem para garantir a governabilidade do país na virada do milênio: muito pouco mesmo.
Portanto, não se espere qualquer avaliação sobre quem é o candidato mais autêntico, nem o mais preparado intelectualmente, ou o mais ladino. Para mostrar o quanto minha análise procurará manter-se isenta quanto a minhas preferências ideológicas ou partidárias e a minhas relações pessoais, devo dizer que nenhum dos três candidatos que, a esta altura do processo sucessório, são considerados realmente competitivos, apresenta garantias prévias de manter a governabilidade pós-eleitoral.
Quando se considera a governabilidade, e não a conquista do governo, como pedra de toque do processo sucessório, importa menos saber qual o candidato que tem melhores condições de vencer a corrida eleitoral. E, desse ponto de vista, embora as candidaturas envolvam coalizões partidárias com densidades parlamentares distintas, nenhuma delas garante, de antemão, uma maioria de governo.
O PMDB é o partido que oferece base mais ampla para a constituição de uma maioria, mas se, como é mais provável a esta altura dos acontecimentos, seu candidato for Orestes Quércia, dificilmente conseguirá consolidar o apoio da própria coalizão peemedebista. Deverá, portanto, concorrer com base em uma coalizão partidária minoritária.
O PT concorrerá com uma coalizão partidária minoritária, não somente de fato, mas sobretudo de intenções. Não é da índole do militante petista diluir, mas ao contrário, adensar sua identidade ideológica em eleições. Sua liderança, embora experiente o suficiente para saber que tal atitude não somente dificulta a conquista do poder pela via eleitoral, mas corrói as condições de governabilidade futura, não tem o hábito de exercer a responsabilidade da liderança política contra as opiniões da base.
Portanto, a menos que a liderança petista, contra sua própria natureza, exerça maior disciplina política sobre a base e a obrigue a compor-se com espectros partidários mais amplos, Lula encabeçará, como sempre, uma cesta de minissiglas marxistas.
O PSDB, embora obviamente não ofereça uma base parlamentar suficiente para governar, adotou uma candidatura que está empenhada em formar uma coalizão eleitoral com base parlamentar majoritária. Se o fará ou não, o tempo dirá.
Se tal coalizão, uma vez formada, garantirá, além da soma de tempos gratuitos na TV, a soma das máquinas partidárias e dos eleitores ainda é uma incógnita. O problema, que se reproduz no caso das demais candidaturas, é com o partido de origem: parte não negligenciável do PSDB recusa a responsabilidade de governar e, por isso, está empenhada em dificultar a consolidação de uma candidatura competitiva como a de Fernando Henrique.
Esta é apenas uma parte –a parte inicial– do problema. No sistema eleitoral brasileiro, os partidos não constituem uma base confiável de maioria de governo. A bancada parlamentar de um partido é eleita com sobras eleitorais anônimas, sem contribuições financeiras nem políticas do partido, sendo livre para buscar apoio eleitoral onde quiser e como puder.
Portanto, não é responsável diante do partido, pois não lhe deve o mandato. Não é responsável diante do governo de seu partido, pois tem mandato independente, cultiva um eleitorado distinto e a sorte do governo não determina necessariamente a sua sorte.
Ao contrário, como a oposição tende a eleger mais do que o governo, a bancada governista, se for racional, tirará mais proveito das benesses de um mau governo ao qual possa opor-se no momento necessário, do que de um bom governo, com o qual tenha que compartilhar o custo das políticas públicas.
Num sistema eleitoral dessa natureza, e com tal regime de governo, a virtude política –isto é, a primazia do público sobre o privado– é contrária aos interesses dos políticos. Portanto, como seria irracional ir contra os próprios interesses, a bancada do partido governista se portará como as bancadas de oposição: em vez de comprometer-se com a consolidação de uma maioria governamental, formada em torno de políticas de interesse público, seus membros irão negociar apoio pontual em troca de benesses e não perderão uma oportunidade para enfraquecer o Executivo, a fim de aumentar sua própria margem de barganha.
Nesse sentido, a base parlamentar do partido de origem e da coligação em torno de uma candidatura é, em si mesma, irrelevante para garantir a governabilidade futura.
A personalidade do candidato, importante para sua eleição, só conta se pensarmos em uma Presidência em permanente relação carismática com as massas, por cima e por fora das instituições, o que constitui muito mais um risco do que uma garantia de governabilidade.
A existência de um programa –quanto mais coerente, mais proporcionará obstáculos ao varejo das barganhas– é outro fator contrário à constituição de uma maioria de governo.
Assim sendo, uma avaliação das candidaturas da ótica estratégica da governabilidade futura passa, sobretudo, pela análise de seu empenho em formar uma coalizão de governo e, em função dela, determinar uma estratégia eleitoral. Só então vem o programa de políticas públicas, que tem que ser compatível com a maioria de governo e com a vitória eleitoral, mas não pode ser o alfa e o ômega de uma candidatura. O verdadeiro programa de governo é um só: governar.

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