São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Warner desenterra tesouros da Continental

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O pato é que está com a razão, poleiro de pato é no chão, como dizia o samba. Foi preciso que a multinacional Warner comprasse a nacionalíssima gravadora Continental para que esta libertasse o seu acervo, sobre o qual estava sentada, sem fazer nada com ele e sem deixar que ninguém fizesse.
Um ano depois de fechado o negócio, a Warner lança a primeira arca de tesouros: a coleção "Mestres da MPB", com 15 CDs individuais de artistas que passaram pela sua agora afiliada, de 1933 até os anos 70.
É música viva, com um escrete de cantores: Francisco Alves, Mario Reis, Silvio Caldas, Emilinha Borba, Marlene, Noel Rosa (e Aracy de Almeida), Isaura Garcia, Elizeth Cardoso, Dick Farney, Moreira da Silva, Nelson Cavaquinho, Jamelão, Lupicinio Rodrigues, Dorival Caymmi e o maestro Radamés Gnatalli.
Todos os CDs têm qualidade sonora acima do habitual em se tratando de material antigo, principalmente o de Chico Alves e o de Noel /Aracy. Os repertórios, selecionados por Carlos Alberto Sion e Tárik de Souza, misturam clássicos com jóias perdidas, e só se lamenta que cada CD não seja duplo.
Os discos foram planejados em pares ou trincas. Assim, quem comprar o de Chico Alves (sensacional, contendo gravações de 1940/41, como "Dama das Camélias", "Onde o Céu Azul é Mais Azul", "Despedida de Mangueira"), vai querer também o de Mario Reis, com matrizes de 1932 (raríssimas), 39 e 51, entre as quais "Joujoux e Balangandãs" e "A Favela Vai Abaixo".
Ou o de Silvio Caldas, com material de diversos períodos e a infalível regularidade do cantor.
Velha rivalidade
Os discos de Marlene e Emilinha revivem a velha rivalidade. Esqueça o folclore dos programas de auditório: as duas eram legítimas herdeiras de Carmen Miranda.
Emilinha canta "Escandalosa", "Chiquita Bacana", "Tomara que Chova" e outras delícias. Mas não adianta: Marlene exorbita com "Sapato de Pobre", "Eva", "Mora na Filosofia", "Zé Marmita", "E Tome Polca" e outras. Ela era –e é– a maior.
O CD de Noel e Aracy é uma junção do histórico LP de 10 polegadas "Noel Canta Noel" e das gravações de Aracy que, em fins dos anos 40, "redescobriram" o então quase esquecido sambista (sim, nos 10 anos que se seguiram à sua morte, em 1937, Noel andou por baixo).
Foi de Aracy que saíram Elizeth Cardoso, romântica e classuda, e a paulistana Isaurinha Garcia, surprendentemente sambista. O CD de Isaurinha, abrangendo várias fases de sua carreira, é um dos mais balançados da coleção e tem pepitas como "De Conversa em Conversa" e "Viva Meu Samba", sem prejuízo das canções de fossa, quase todas de Dolores Duran.
Imperdível
Já Radamés Gnatalli transborda da música popular deste país. Como observa Tárik de Souza no encarte do seu CD (que grande idéia incluí-lo na coleção), não há capítulo sério dessa música popular sem o dedo de Radamés –aliás, presente como arranjador ou regente em quase todos os outros CDs.
Mas o seu disco é uma beleza: fenomenais arranjos instrumentais para "Agora É Cinza", "Hino do Carnaval Brasileiro", "Faceira", "Copacabana". Vale o clichê: imperdível.
O disco de Radamés faz tabelinha com o de Dick Farney, em gravações dos anos 40 e 50 que anteciparam a Bossa Nova, como "Copacabana", "Uma Loura", "Marina" e tantas mais.
Moreira da Silva já era um craque em 1933, quando emplacou com sua gravação de "Arrasta a Sandália", incluída no seu disco. O qual tem várias outras amostras, dos anos 50 e 60, de como o samba de breque brasileiro já era o "rap", só que com música e bom humor.
Mesa de botequim
E o CD de Nelson Cavaquinho conserva todo o espírito de uma mesa de botequim, com o "Baudelaire da Lapa" (mais uma vez Tárik) conversando com os amigos e cantando "Luz Negra", "A Flor e o Espinho" etc.
O poeta da dor-de-corno, Lupicinio Rodrigues, está representado num CD com algumas de suas criações menos conhecidas. Mas seu espírito prossegue no disco de Jamelão, com "Ela Disse-me Assim", embora haja espaço de sobra para o lado sambista desse grande cantor. Jamelão brilha em "Eu Agora Sou Feliz", "Exaltação a Mangueira", "Quem Samba Fica".
E, finalmente, o CD de Dorival Caymmi tem algumas de suas primeiras gravações em 1940 e um desfile de suas canções nas vozes de Dick Farney, Lucio Alves, Os Anjos do Inferno, Ivon Cury, Os Novos Baianos e outros. Como Caymmi é o equivalente brasileiro de Fats Waller –nunca fez nada ruim–, não há como não cantá-lo direito.

Títulos: Francisco Alves, Mario Reis, Silvio Caldas, Marlene, Emilinha Borba, Noel Rosa/ Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Isaura Garcia, Radamés Gnatalli, Dick Farney, Moreira da Silva, Nelson Cavaquinho, Lupicinio Rodrigues, Jamelão, Dorival Caymmi. CDs individuais da coleção "Mestres da MPB"
Artistas: os mesmos.
Gravadora: Continental/Warner.
Quanto: 15 URVs (cada)

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