São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Maguy Marin revela as emoções cotidianas

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O espetáculo "Waterzooi", de Maguy Marin, que deve ser uma das melhores atrações do 4º Festival Internacional de Artes Cênicas de São Paulo, continua em temporada até domingo, no Teatro Municipal.
Maguy Marin costuma dizer que "Waterzooi" é uma arquitetura de pequenas coisas. Sem artifícios cênicos, tudo vai sendo construído pelo bailarino-ator.
Valendo-se de um divertido didatismo, "Waterzooi" é um encadeamento de demonstrações sobre as relações e emoções cotidianas. Com uma narradora ao microfone citando (em português) explicações retiradas do "Tratado das Paixões", de Descartes, cada cena se apresenta como mais um capítulo de um livro.
A idéia é muito simples e poderia ser linear se não fosse a genialidade de Maguy. Mestra em lidar com a simplicidade proposital e aparente, a coreógrafa francesa prova, em "Waterzooi", que hoje é uma das mais bem-sucedidas criadoras de uma linguagem cênica que associa teatro, dança e música.
A busca de uma simbiose de expressões é uma pesquisa permanente de Maguy, que nos anos 70 frequentou o Mudra, escola experimental fundada por Maurice Béjart em Bruxelas, cuja proposta era formar artistas completos, com diversas aptidões.
Somando uma diversidade de talentos, o elenco de Maguy Marin é personalíssimo. Alguns de seus integrantes trabalham com a coreógrafa há 13 anos, como o extraordinário Michel Le Coq.
Atuando como bailarinos, atores e músicos, os artistas da Companhia Maguy Marin dão aulas de interpretação, saindo-se bem em cada especialidade. Por vezes, são capazes de habilidades únicas: como produzir sonoridades musicais com a voz, harmonizando-as com os movimentos do corpo.
Quando o espetáculo enfoca o sentimento de paixão, por exemplo, um casal dança sob as várias intensidades dos próprios sussurros –como se voz e movimento tivessem impulso único. Um dos melhores momentos de "Waterzooi", nessa cena Maguy Marin também evidencia sua sofisticação coreográfica.
Os movimentos, embora fundamentados em gestos corriqueiros, usados no dia-a-dia, criam um vocabulário renovado dentro da dança contemporânea. O desafio e o virtuosismo, para o elenco, estão na capacidade de se assemelhar à mais comum das pessoas.
A sequência sobre o sentimento de alegria mereceu aplausos em cena aberta na estréia de "Waterzoooi", quinta-feira. Explorando o riso em todas as nuances e intensidades, realiza-se quase uma suíte de balé ao som de gargalhadas.
Com paródia e poesia, "Waterzooi" mostra o sublime e o ridículo da condição humana. Em termos de linguagem, Maguy Marin prova que o despojamento e a simplicidade de seus espetáculos estão baseados em uma depuração cênica de alto nível, que faz do bailarino-ator o instrumento maior da criação.

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