São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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A reabilitação do empresário

LUÍS NASSIF

À medida que a grande crise econômica dos países em desenvolvimento vai cedendo lugar a programas de estabilização, aparece uma vantagem comparativa expressiva do Brasil: a vitalidade da sua classe empreendedora, em contraste com a apatia e falta de criatividade de seus colegas latinos.
No entanto, os anos 80 foram marcados pelo mais profundo e radical discurso antiempresarial da história.
Generalizou-se a imagem de que todo empresário era desonesto e reduziram-se as características empresariais a um arquétipo bizarro, um misto de malandragem com espírito de jogador.
Parte dessa visão negativa decorreu dos abusos cometidos nos anos de fastígio econômico do "milagre".
O esbanjamento e a concessão arbitrária de favores marcaram profundamente a consciência nacional no período, servindo de combustível para a pregação oposicionista.
Nos anos 80, a grossa corrupção que lavrou por toda a estrutura do Estado, mais o pesado jogo especulativo que se montou no mercado de capitais e de câmbio, constituíram-se em combustível a mais para esse espírito antiempresarial.
Entrando nos 90, ocorre uma reabilitação do espírito empreendedor. Lançamentos de novos modelos de carro popular pela indústria automobilística são saudados como uma vitória do país.
O dinamismo do empreendedor brasileiro é apontado como fator de esperanças.
As reestruturações de empresas tornam-se exemplo de vitalidade, nos quais a parte mais saudável do setor público vai se espelhar.
Há um renascimento no ambiente empresarial. Dos grandes centros às regiões agrícolas, há um furacão de renovação levando embora velhos preconceitos.
Os temas de interesse não são mais os movimentos especulativos nas Bolsas, as jogadas com câmbio, as mamatas com dinheiro público, a última sacada financeira.
Fala-se em parcerias, políticas de estoques, gestão participativa, unidades de negócios, novas formas de comercialização.
Não estivesse o país entregue a mentecaptos, ter-se-ia o clima propício à reedição do espírito desenvolvimentista de JK.
Causas da renovação
O que deflagrou essa virada espetacular foi a soma de dois fatores: a crise financeira do Estado –esvaziando as burras do BNDES e do Tesouro– e a ação dos três últimos presidentes brasileiros.
Sarney e Itamar, por representarem a preponderância do político atrasado, populista e clientelista sobre a parte moderna da nação.
Ambos vêem a economia, com toda sua complexidade, não como geradora de riquezas e de emprego, como instrumento de desenvolvimento e de modernização. Mas como álibi para um futuro congelamento de preços que lhes garantissem as próximas eleições.
Comportavam-se como Hagar, o Bárbaro, que só conseguia imaginar pavão real sem plumas e ao molho pardo.
Já Fernando Collor mudou o panorama por razões mais objetivas.
Numa ponta, por seu discurso em favor da abertura da economia, com a montagem de Câmaras Setoriais e a implantação do processo de redução de tarifas de importação.
Na outra, pela brilhante, porém fracassada estratégia montada por PC Farias, de se associar a novos grupos empresariais que viessem a ocupar os espaços abertos pela desregulamentação da economia.
E por suas loucuras, com o bloqueio de cruzados, que acabou com a calma de quem vivia de rendas.
Até o Plano Cruzado, os empresários ainda acreditavam em São Sebastião. Depois de Figueiredo, Sarney, Collor e Itamar, passaram a ter dificuldades em acreditar em Deus.
Sem o amparo castrador do Estado, tiveram que se virar. E aí tornaram-se gente grande.
Uma pujante geração de novos empreendedores surgiu, com a mesma gana dos imigrantes que, nos anos 30, vieram substituir os falidos barões do café.
E as empresas que cresceram nos anos 70, movidas a anabolizantes estatais, ou se renovaram ou desapareceram.
Se houvesse um Ministério Público mais atuante, já teriam sido varridos do mapa os últimos beneficiários do velho modelo: o cartel dos empreiteiros de obras públicas, implantando-se a competitividade também nessa área.

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