São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Químico atuou em outras áreas

ANDRÉ LAHOZ
DE PARIS

Jean-Pierre Poirier é um especialista em Lavoisier. Escreveu recentemente o livro "Lavoisier", no qual procura mostrar as outras facetas desse que é considerado o pai da química moderna.
Participou intensamente das comemorações do bicentenário da morte de Lavoisier e integrou uma mesa redonda que reuniu os quatro autores mais recentes sobre o tema na Cidade das Ciências em Paris.
É doutor em medicina e em ciências econômicas e pertence ao Comitê Lavoisier da Academia de Ciências da França.

Folha - Além da química, que ciências Lavoisier estudou?
Jean-Pierre Poirier - Muitas. Poderia citar a economia, a meteorologia, a geologia, a agronomia e a biologia. Sua importância política também foi enorme.
Folha - Qual seu papel como economista?
Poirier - Foi muito grande, antes e durante a Revolução. Ele foi um "fermier général", cargo responsável pela coleta de impostos.
Era também presidente do conselho de administração do maior banco privado de época. Nesse cargo, fez empréstimos muito importantes ao Estado francês.
Em 1791 foi nomeado um dos comissários do Tesouro Nacional, que eram apenas seis em toda a França. Lavoisier tinha grande talento de administrador.
Há algo particularmente interessante. Sua grande idéia na química foi a igualdade entre os dois lados de uma reação química.
Isso ele transpôs para a administração, portanto foi um dos criadores dos sistemas de balanços. As receitas e despesas de um balanço devem ter o mesmo equilíbrio que os dois lados de uma reação.
Foi o primeiro a se preocupar com a necessidade de previsão orçamentária para o Estado e com uma estatística nacional sobre produção, consumo, população, etc.
Folha - Porque ele trabalha para a Revolução, que anos mais tarde vai levá-lo à morte?
Poirier - Lavoisier era muito rico e feliz sob o Antigo Regime. Minha teoria é que seguia uma lógica dogmática.
Ele compreendeu, desde 1775, que o sistema social e econômico da França era ruim. Os impostos eram altos e injustos, o que impedia o desenvolvimento econômico.
Esse sistema injusto sempre pesava sobre o povo e empobrecia o país, uma vez que os aristocratas não pagavam impostos e passavam a vida a beber chá nos salões.
Foi por isso que apoiou a Revolução. Ele tentou ser deputado na Assembléia dos Estados Gerais, mas não conseguiu.
Foi rejeitado pela esquerda, que o considerava muito rico, e pela direita, pois não era nobre (seu título de nobreza era comprado).
Folha - Que outras atividades fez Lavoisier?
Poirier - Várias. Matemática, anatomia, botânica. A primeira diciplina em que se aprofundou foi a meteorologia.
Tinha um desejo de prever o clima do dia seguinte. Ele escreveu: "acredito que será possível um dia a publicação, todas as manhãs, de previsões sobre o tempo com grande probabilidade de acerto".
Depois se interessou pela mineralogia e geologia. Um amigo de seu pai, Guettard, era geólogo.
Guettard queria fazer um mapa dos recursos minerais da França, e Lavoisier trabalhou com ele por mais de um ano.
Lavoisier fez dezesseis mapas sobre recursos minerais no país. São esses trabalhos que o fazem se interessar pela química.
Ele percebeu que, para entender os minerais, seria necessário conhecer química. Depois usou seus conhecimentos químicos para fins práticos.
Um exemplo: fazia o controle da qualidade do fumo pela análise química do produto. A mesma coisa com o controle da pólvora.
Folha - Quais foram suas contribuições para a agronomia?
Poirier - Nesse campo, ele não foi revolucionário, mas teve duas idéias importantes.
A primeira é que, para aumentar a produção, é preciso adubar a terra. Isso ainda não havia sido muito compreendido. Lavoisier conclui que era necessário plantar mais pastagens para que mais animais produzissem mais esterco. Isso aumentaria a produção agrícola.
Ele achava também que o retorno financeiro da atividade agrícola era baixo (cerca de 5% ao ano). A solução seria reduzir a taxa de juros paga pelos produtores rurais.
O conceito inovador era considerar a agricultura como uma indústria, pois só assim atrairia o interesse dos homens de negócios.
Folha - E sobre a biologia, o que ele produziu?
Poirier - Sua maior contribuição foi aplicar à química vegetal e animal as mesmas idéias que já havia aplicado à química mineral.
Foi um dos criadores da química orgânica, pois inventou um método de análise, pela combustão, e porque foi o primeiro a dizer que animais e vegetais eram compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio.
Induziu que o que ocorre nos animais é uma combustão de carbono e hidrogênio no contato com o oxigênio da respiração. Isso só foi provado cem anos depois.
Folha - Ele criou algum instrumento científico?
Poirier - Sim, talvez fosse sua maior especialidade. Foi o primeiro a criar barômetros, densímetros, gasômetros e calorímetros. Foram aparelhos idealizados, financiados e construídos por Lavoisier.
Folha - Há outra atividade de Lavoisier que foi importante?
Poirier - Sim. O fim de sua carreira foi marcado por duas coisas interessantes. A primeira foi um texto no qual defendia ensino público gratuito e obrigatório.
Também devemos a ele a definição do metro, do quilo, do metro quadrado, do metro cúbico, do litro. Morreu antes de o sistema métrico se generalizar, mas foi quem deu bases científicas para isso.

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