São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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CINZAS DO PARAÍSO

CLÁUDIO CSILLAG
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Se fosse gente, a indústria de cigarros estaria numa situação parecida com a de um fumante tenso prestes a ouvir uma terrível notícia de seu médico. Que está com câncer de pulmão, por exemplo –e que precisa mudar de hábitos para sobreviver.
Acostumada como está com a militância e a histeria dos antitabagistas, é pouco provável que continue tão vigorosa após as últimas investidas de políticos e autoridades médicas dos Estados Unidos.
A primeira pancada veio de David Kessler, o chefe da agência que regulamenta alimentos e remédios nos EUA, a FDA. Ele acusou a indústria de tabaco de controlar os teores de nicotina nos cigarros.
A nicotina, para muitos cientistas, é o componente do cigarro que causa dependência. Segundo Kessler, as empresas manipulariam o teor da droga para tornar os fumantes viciados e mantê-los assim.
As companhias negam. Segundo elas, as pessoas fumam pelo prazer de fumar, não pela urgência de um vício.
Cabe aos políticos decidirem a questão. Se o Congresso norte-americano concluir que as empresas usam a nicotina –uma droga– em função de seus efeitos no organismo humano, a história da indústria do fumo será mudada.
A FDA classificará os cigarros como "instrumentos administradores de nicotina" e poderá colocá-los sob leis tão rigorosas quanto as que regulamentam remédios.
O segundo golpe debilitante ocorreu pouco depois, quando o deputado democrata Henry Waxman revelou que a maior das companhias, a Philip Morris, suprimiu uma pesquisa interna que sugere que a nicotina causa dependência. Ou seja, a companhia poderia estar sendo mal-intencionada ao sustentar que a droga não vicia.
O deputado resolveu então colocar a indústria contra a parede. Chamou os principais executivos das maiores empresas do ramo para depor no Congresso. Pela primeira vez, eles admitiram que podem controlar o teor de nicotina –mas, garantiram, apenas para determinar o sabor dos cigarros.
O terceiro golpe veio quando o deputado convocou o autor da pesquisa a depor –e conseguiu dele declarações comprometedoras para as companhias (leia entrevista na página ao lado).
Como se não bastasse dar uma surra nas companhias, Waxman ainda pretende atacar os fumantes.
Ele quer criar uma lei que os obrigue a se recolherem a cubículos especiais para fumar.
Se a lei for aprovada, não só os fumantes mas os próprios fabricantes de cigarros correm risco de ficar com falta de ar.

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