São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994 |
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Carta aberta aos deuses
CLÓVIS ROSSI SÃO PAULO – Divindades, abram por favor os jornais deste final de semana. Está lá: o enterro de Ayrton Senna, a morte de Mário Quintana, o sequestro do pai de Romário.Os senhores não acham que estão exagerando? Admito que os brasileiros fizemos quase tudo errado nos últimos 500 e poucos anos. Mas, convenhamos, não há tribo sem pecado ao sul ou ao norte do equador, certo? É verdade que os brasileiros pecamos até pela soberba, a ponto de nos julgarmos compatriotas dos senhores, que sequer fazem parte deste mundo. Mas, que diabo, era apenas brincadeira. Os deuses não têm senso de humor? Na sexta-feira, o Carlos Heitor Cony recuou, na lista das tragédias, até o suicídio de Getúlio Vargas. Eu, que sou um pouco mais novo, me contento em recuar até Tancredo Neves. Lembram-se? Era o primeiro presidente civil depois da longa noite de arbítrio, que seus vários representantes na Terra condenaram com mais ou menos veemência. Tancredo orgulhava-se de não ter sofrido sequer um mísero resfriado nos seus mais de 70 anos. Não é que os senhores o levaram para um hospital justamente horas antes da posse?! Com perdão da irreverência, foi uma grossa sacanagem. Não lhes pareceu bastante punir os brasileiros com o Figueiredo como presidente? Precisava, além dele, mandar o Collor, o PC, os anões do Orçamento, a lista do bicho? Precisava universalizar a frase do Otto Lara Rezende (acho que foi dele) segundo a qual mineiro só e solidário no câncer e fazer com que os brasileiros só passassem a se solidarizar nos velórios, um atrás do outro? Os senhores já pararam para pensar em como anda a cabeça da brava gente brasileira? No fundo, sei que os senhores não têm culpa. Afinal, dotaram o ser humano de livre arbítrio para decidir seus rumos. Mas chega um momento em que a alma coletiva acha que o país micou e, daí para a frente, nada dá certo. Superstição? Claro. Mas é fácil dizer isso aí de cima. Venham dar uma olhadinha aqui em baixo e tenham piedade de nós. Shalom. Texto Anterior: Vôo conturbado Próximo Texto: A ameaça da ignorância Índice |
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