São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1994
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Piquet volta a falar de Senna no "Cara a Cara" da Bandeirantes

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Programa: Cara a Cara
Canal: Bandeirantes, 23h30

Nélson Piquet foi a voz destoante, em meio à comoção pela morte de Ayrton Senna. No "Roda Viva" da segunda-feira passada, reexibido no sábado, o também tricampeão se empenhou em jogar água na fervura.
Defendeu os cartolas da Fórmula 1, garantiu que as pistas são seguras, assim como os carros, sustentou que o acidente se deu por causas mecânicas. Existe em Piquet um tanto de dura racionalidade, que se poderá apreciar hoje, novamente, no "Cara a Cara" da Bandeirantes.
Para ele, corridas são coisa perigosa e morrer na pista está no programa de qualquer corredor. Fim.
Piquet acredita, por exemplo, que em hipótese alguma a direção da corrida admitiria que um piloto morreu em plena pista, o que determinaria a interrupção da prova (e prejuízos milionários).
Tecnicamente, Piquet é esclarecedor. Quando sustenta a hipótese de falha técnica no carro, por exemplo, fala com experiência: a curva Tamburello é, segundo ele, praticamente uma reta, não existe possibilidade de erro humano naquele local. O resto, para Piquet, fica por conta da sorte (ele mesmo acidentou-se gravemente naquele local e sobreviveu).
Piquet, sabe-se, é o anti-Senna. Em outros tempos, sequer falava com a imprensa brasileira (que julgava despreparada). Carregar bandeira, então, nem pensar.
Essa espécie de solidão, a convicção com que eximia-se de qualquer associação entre seu desempenho nas pistas e os destinos nacionais, são respeitáveis.
Mas Piquet ainda tem a explicar algumas manchas em seu relacionamento com o outro tricampeão mundial. Passemos pelo veto que teria imposto à presença de Senna na Brabham, nos anos 80 (assunto reposto em circulação por Bernie Ecclestone, supercartola da Fórmula 1 e então dono da equipe).
O problema central entre os dois não era de caráter esportivo. Piquet em dado momento "acusou" Senna de não ser chegado em mulheres. Compreende-se que o assunto não tenha sido levantado no "Roda Viva": lembrá-lo, naquele momento, seria quase entregar o entrevistado ao linchamento, tal a comoção em que o país se encontrava envolvido.
A palavra de Piquet vem num momento em que se procede a uma quase canonização de Senna, visto nos noticiários como homem sem qualquer espécie de defeitos, uma espécie de vítima da Fórmula 1. Essa parte não é verdade.
Mas a incrível economia com que se refere às virtudes do campeão morto e a ambiguidade pessoal ainda estão por ser explicadas.

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