São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Povolatria

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A comoção provocada pela morte de Ayrton Senna abriu espaço para um esporte que periodicamente se pratica no Brasil: a autolouvação do tal de povo brasileiro.
Em artigos nas revistas ou nos jornais, mas principalmente nas seções de cartas, aparece uma constante: o sofrimento do bom povo brasileiro contrastado com as mazelas de suas elites. Houve leitor que lamentou a morte de Senna porque continua viva uma série de pulhas da política que não vale a pena republicar.
Quanto às elites, nada a opor até à mais dura crítica contra elas. Mas a "povolatria" está completamente fora do lugar.
Basta lembrar que o ex-deputado João Alves, para citar apenas um exemplo, não é um biônico que tenha tomado de assalto a Câmara dos Deputados e nela se instalado com capangas armados para não poder ser removido.
Foi eleito pelo tal de povo brasileiro, assim como todos os seus companheiros de malandragens com o dinheiro do Orçamento. Não adianta vir com a historinha piegas de que o povo, coitado, é mantido na desinformação, não tem acesso à educação e por isso vota nesse tipo de gente. Bobagem.
Depois que inventaram o rádio e mais ainda depois da televisão, não é preciso ser PhD para poder receber informação. E, nos anos recentes, em doses maciças. Se uma sociedade dependesse do nível de educação para sair do buraco, o apartheid na África do Sul ainda estaria de pé. Afinal, os negros foram marginalizados do sistema educacional e treinados para serem submissos aos brancos.
O brasileiro cordial, boa gente, bem-humorado, é uma caricatura. Como é caricatura tratar o francês como mal-humorado, o argentino como prepotente e outras lendas do gênero.
O mais provável é que o povo brasileiro nem é vítima de uma história feita à sua revelia ou contra ele nem é um bando de idiotas irrecuperável. Simplificar as coisas, estereotipando-as, pode ser mais prático, mas raramente é mais verdadeiro.
PS – Mais uma semana de folga para os leitores. Agora, vou cobrir Fórmula 1 e futebol. O que prova que esta profissão não é para gente normal.

Texto Anterior: Por que os candidatos mentem
Próximo Texto: Economistas e a URV
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.