São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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O governo contra a ordem

JANIO DE FREITAS

O Exército acabou saindo das casernas. Com o aparato que lhe é próprio. Com a motivação de sempre, "em defesa da ordem constitucional". A ordem estava atingida? Admita-se que sim, pela invasão de dependências da Polícia Federal por policiais federais em greve. A menos que haja motivação político-ideológica, porém, a ordem só chega a ser atingida se o governo faltar com seus deveres. Antes dos apontados motivadores, portanto, encontra-se o governo como motivador do recurso extremo e perigoso que foi a mobilização do Exército.
As greves numerosas que vêm atingindo o governo há meses, em setores importantes da administração, cedo emitiram indícios de que a situação exige mais do que a adesão à cegueira dos tecnocratas, que supõem ser a vida social manipulável como se um país fosse um teatrinho de marionetes. O que se passa com o Orçamento é bem ilustrativo. Primeiro, a equipe econômica enrolou-se de tal maneira, que só faltando 48 horas para a data-limite de sua aprovação, 31 de dezembro, o projeto de Orçamento chegou ao Congresso. Mas não para ficar. Em razão do mal-afamado Fundo Social de Emergência, feito pela própria equipe, era preciso remexer no Orçamento.
Não era possível fazer as mexidas: o setor especializado estava em greve. O governo não cumprira as obrigações reestruturadoras que assumira. Em vez de cumprir o seu dever de buscar uma solução honesta para o impasse, preferiu jogar queda-de-braço e acabou, como parece ser de sua predileção, recorrendo a militares. O resultado é que estamos a um mês e meio da metade do ano e ainda não há Orçamento de 94. Culpa-se o Congresso, que só há pouco pôde começar a discutir o assunto. Mas a culpa é do Executivo, é do governo, é do predomínio divino que está atribuído a tecnocratas.
As demais greves têm a mesma feição, da parte dos funcionários e da parte do governo. A equiparação aos policiais do Distrito Federal, pretendida pelos policiais federais, pode ser polêmica, mas absurda não é. Tanto que um parecer da Procuradoria Geral da República atesta a legalidade da reivindicação. O despropósito dos policiais federais está em procedimentos que acabaram adotando. E outra vez se identificam erros não menos graves do governo, na origem mesma do problema e do seu agravamento.
O Exército deliberou sair das casernas quando a greve da PF chegava aos 52 dias. Em quase dois meses, tudo o que fez o diretor da Polícia Federal, coronel Wilson Romão, foi mostrar que não tem o controle, o comando, ou lá o que seja, da importante repartição que lhe está entregue. Nem por isso o governo se moveu para dotar a PF de um diretor com autoridade e competência para tratar do problema. Preferiu a queda-de-braço desinteligente. Que lhe dá a dupla satisfação de um sentimento equivocado de autoridade e da submissão passiva ao grupo predominante de tecnocratas. O resultado está aí.
Cada plano econômico brasileiro tem se revelado uma forma de ditadura disfarçada. O de agora avança mais: como nos anteriores, a vida nacional está toda manejada por meia-dúzia de tecnocratas, mas para o predomínio dos atuais os trajes civis já não servem como disfarce. Fica tudo mais evidente, então.

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