São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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O Brasil sempre tem craques para escalar

MOACIR JAPIASSU
ESPECIAL PARA A FOLHA

O publicitário Agnelo Pacheco não faria, certamente, uma campanha para o futebol brasileiro. Na opinião dele, o "produto" é ruim, não merece a confiança de antigamente, conforme defendeu em artigo nesta Folha (15/04/94).
Agnelo repete, na verdade, uma injustiça há muito assacada por conistas esportivos e torcedores por eles informados. "Com Pelé e a conquista do tricampeonato mundial em 1970, o futebol brasileiro teve o seu apogeu. A partir daí, entrou em franca decadência", escreveu o publicitário, sob o título "Por que não temos craques como antes?".
Jorginho, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes, Branco, Dunga, Raí, Mauro Silva, Zinho, Bebeto e Romário, dentre tantos outros, não devem ter gostado. Com razão.
O Brasil tem craques, sempre teve e eternamente terá pelos campos afora. Por que Agnelo e muitos outros se referem a uma "decadência" inexistente?
Quem, com pureza d'alma, pode crucificar o Brasil de 78, que voltou invicto da Argentina? Seleção decadente deve perder pelo menos uma!!! Nas Copas de 82 e 86, o mundo inteiro reconheceu: tínhamos o melhor time e o melhor treinador, Telê. Sobra, então, 1990, na Itália. O técnico Sebastião Lazaroni foi tratado como um PC Farias e a "era Dunga", simples expressão que identifica o futebol sem firulas, virou crime de lesa-futebol.
Perdemos, porém, para uma jogada genial de Maradona. Até aquele "acidente de percurso", o Brasil jogou muito melhor e o execrável Dungassário do defensivismo meteu uma bola na trave.
Pergunta-se: se esta é uma história recente, atestada pelo videoteipe, por que escrevem e dizem o contrário? O que explica semelhante comportamento? Sim, somos um país de memória fraca, mas a atitude sombria de boa parte da imprensa justifica-se pelo simples comodismo. O "especialista" dirá: "Viram?
Na teoria que defende acerca da escassez de craques, Agnelo garante: "(...) A expansão imobiliária acabou com os campos de várzea, onde os garotos mais pobres e humildes jogavam bola com os pés descalços e, sem compromisso, aprendiam a lidar com a pelota de um jeito todo especial".
Esquecem, todavia, que hoje não há apenas escolinhas, "às quais só tem acesso os filhos de famílias ricas", como escreveu o publicitário Agnelo. Qualquer grande clube, como Vasco, São Paulo, Corinthians, Flamengo, etc, etc, faz suas "peneiras" gratuitamente. Menino bom de bola fica no clube, ganha casa, comida, roupa lavada, treinamentos específicos –e ainda vai estudar na escola.
A várzea que São Paulo e Rio sepultaram sob cimento armado sobrevive nas cidades do interior e nos "fundões" do Brasil, revelando craques atrás de craques. E as praias?
A classe média, esta, se revela nas quadras de futebol de salão. Está aí Roberto Rivelino que não nos deixa mentir. É sobre esta espécie de pista de dança, a bailar com aquela bolinha que não quica, que aprendemos a arte do drible em meio metro de chão.
Certa vez, Armando Nogueira contou a história de um pivete que, no vestiário após o jogo, divertia-se fazendo "embaixadas" com um sabonete. E pensar que muitos europeus não usam tal artefato nem para tomar banho!
Agnelo Pacheco, faça, por favor, esse singelo teste capaz de avaliar se estamos mesmo decadentes: pegue a página onde você escreveu seu artigo, amasse bem e jogue no pátio do recreio de qualquer escola. Você vai assistir a mais um animado "racha", prova viva e eterna do nosso talento.

Excepcionalmente, não publicamos hoje a coluna de MATINAS SUZUKI JR.

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