São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
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Livro satiriza bastidores do Império

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um pequeno romance picaresco disfarçado de documento histórico autêntico pode ser a grande surpresa editorial do semestre.
Seu autor, José Roberto Torero, é um estreante, e seu título é quilométrico: "Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça".
Mas nem uma coisa nem outra deve atrapalhar a carreira do livro, acalentado pela Companhia das Letras como um possível novo fenômeno no estilo do romance histórico "Boca do Inferno", de Ana Miranda, lançado em 1989 e traduzido em 16 idiomas.
A expectativa se justifica: mesmo sem ser um divisor de águas na história literária, o romance –ganhador em 1992 do Prêmio Nascente de Literatura, promovido pela USP– é inteligente, bem escrito e divertido como poucos.
O livro foi mandado à editora como sendo um documento verdadeiro e precioso: um pretenso diário escrito pelo secretário de d. Pedro 1º, Francisco Gomes da Silva, personagem real que entrou para a história com o apelido de Chalaça (gracejo, pilhéria) e a fama de alcoviteiro.
O próprio Torero –um colecionador de prêmios nas áreas de cinema, teatro e literatura– foi encarregado de escrever a orelha do livro, e o fez sob a assinatura de d. Pedro (psicografado).
A idéia era narrar as aventuras do imperador por meio de outro personagem. Descobriu Chalaça ao ver o filme "Independência ou Morte", em que Emiliano Queiroz encarnava o alcoviteiro.
Durante a pesquisa para o livro, entretanto, Torero percebeu que Chalaça era tão interessante que devia ganhar o primeiro plano.
O modelo literário adotado foi o do romance picaresco –aquele em que o protagonista sobrevive às situações adversas por meio da malandragem.
Os livros de cabeceira de Torero durante a redação de "Chalaça" foram "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manoel Antonio de Almeida, e "Lazarillo de Tormes", romance espanhol anônimo do século 16, considerado o primeiro do gênero picaresco.
Mesmo admitindo que talvez esse viés seja meio forçado, Torero acha que o Chalaça pode ser visto como "um arquétipo do político brasileiro, pilantra e corrupto".
Ele garante que a maioria das coisas contadas "aconteceu mesmo". "Só na parte portuguesa tem muita invenção. Caetano Gamito, rival do Chalaça e traidor de d. Pedro, não existiu de fato."
Um dos méritos do romance de Torero, além do domínio do ritmo e do humor, é a boa dosagem das informações históricas. "Fugi à tentação de atulhar o livro de detalhes de época me prendendo ao protagonista e suas reflexões."
Como fonte de pesquisa, Torero usou um pouco de tudo: romances históricos de Paulo Setúbal, crônicas da época, histórias do vestuário e da culinária etc.
No estilo, optou por um meio- termo entre o português do Império e a linguagem atual. O resultado é quase sempre irresistível.

Livro: Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça
Autor: José Roberto Torero
Preço: não definido

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sobre o livro de José Roberto Torero à pág. 5-3

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