São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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O direito alternativo e o uso alternativo do Direito

ROY REIS FRIEDE

Não obstante a quase indiscutível acepção clássica da imperatividade do direito positivo e da limitação a que o poder judicial se acha sujeito vem ganhando considerável espaço a discussão em torno do chamado Direito Alternativo ou Uso Alternativo do Direito, principalmente em rodas estudantis –mais vulneráveis às análises emotivas das questões sociais e, portanto, suscetíveis de defenderem teses sem consistência prática, passado o calor do instante em que foram formuladas.
O denominado Direito Alternativo é uma dessas teses de puerilidade verificada prima facio, cuja emotividade sobrepuja qualquer tipo de argumento técnico-científico que procure enfocar.
Trata-se de um inconformismo legal que se propõe, basicamente, à tarefa de pensar num modelo alternativo que saiba indicar "como agir para romper os limites da legalidade quando esta é entrave ao valor justiça comprometido com a maioria da população", "quando deve ser efetivado um direito democrático não-oficial que conflita com o estatal" (Amilton Bueno de Carvalho - Magistratura e Direito Alternativo (ou Da Liberdade no Ato de Julgar).
Neste aspecto, o Uso Alternativo do Direito –em repressão adequada à matriz européia do Direito Alternativo– é bem menos audacioso que sua versão latino-americana. "Usar alternativamente o direito estabelecido" ainda é uma proposta parcimoniosa de mudança diante do que querem aqui os defensores do Direito Alternativo: tornar o juiz um modelador de direitos, verdadeiro escultor de uma ordem jurídica não reconhecida oficialmente, que, contrastando com o direito estabelecido, se construa a partir do juízo pessoal e isolado do magistrado.
Antes de engrossarmos a fila dos insatisfeitos e em nome da boa Justiça abraçarmos a primeira tese subversiva que nos vier a conhecimento, devemos observar que há muito a aplicação fria e puramente formal da lei foi relegada ao arcaísmo pelo moderno direito.
Não se fala mais, por exemplo, no critério positivo para o convencimento do juiz, que chegou a ser batizado por Lessona e Gusmão como "Sistema de Tarifamento de Provas". Temos, pois, que a ordem jurídica que está sendo hostilizada pelo direito alternativo –senão por completo, ao menos em parte, no que entraria em conflito com a valoração silenciosa da norma produzida na consciência do julgador– sustenta-se em sistemas e princípios que procuram fixar diretrizes firmes para a aplicação de regras materiais e processuais nas situações concretas postas ao conhecimento do magistrado.
Se estas parecerem distantes de veicular a Justiça, as diretrizes, tanto de normas processuais como materiais, procurarão indicar-lhes o caminho, tendo, para tanto, que outorgar certa parcela de liberdade ao juiz na formação de seu convencimento. Inconcebível é ignorar os limites dessa liberdade.
O direito é, antes de tudo, um imperativo de ordem que se exprime pela intangibilidade do ordenamento legal existente, gerador de segurança nas relações sócio-jurídicas e determinante, em última instância, da própria sobrevivência do Estado.
A proposta do direito alternativo é um convite irresponsável a reinventar um direito à margem de tudo que já foi edificado em sociedade. É um aceno sedutor ao magistrado de espírito autoritário e um elemento fragilizador da estrutura jurídica e social do Estado. É, enfim, um autêntico freio ao natural aprimoramento da ciência do direito.

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