São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Inquilinos intranquilos

LUÍS NASSIF

O Ministério da Fazenda daria mostras de profundo bom senso se ignorasse a proposta de conversão de aluguéis, apresentada por representantes de imobiliárias e supostos representantes de inquilinos. É uma proposta descabida e que, se implantada, traria enormes perdas aos inquilinos e profundas distorções ao mercado de locação imobiliária.
Inflação alta e periodicidades longas provocaram distorções nos valores iniciais dos aluguéis. Para se prevenir contra perdas futuras, os proprietários aumentavam sensivelmente o valor inicial do aluguel para se chegar a um valor médio ideal.
Suponha um imóvel cujo aluguel valha US$ 100,00 mensais. Com uma inflação de 20% ao mês, para se chegar ao valor médio pretendido, o aluguel inicial teria que ser fixado em US$ 180,00 –80% a mais. Com a infação a 30% ao mês, em US$ 227,00 –127% a mais. A 40% ao mês, em US$ 277,00 –177% a mais.
É certo que todos os proprietários de aluguéis residenciais perderam com a aceleração da inflação no período e com prazos mínimos de reajustes incompatíveis com inflação de tal mangnitude. Da mesma maneira, essa lei esdrúxula restringiu a oferta de imóveis de locação e reduziu as possibilidades dos inquilinos. Como sua renda teria que ser compatível com o primeiro aluguel pago, um inquilino que tivesse condições de bancar US$ 100,00 mensais, na verdade precisaria comprovar uma renda 177% superior para assinar o contrato. O mais provável é que acabasse alugando imóveis bem aquém de suas necessidades e condições.
Mas o máximo que se poderia propor, para corrigir tais distorções, seria recompor a média efetiva no primeiro período de vigência do contrato. Ou seja, se assinou-se com previsão de inflação menor, recomponha-se o valor inicial estimado, além de estabelecer mecanismos mais flexíveis de negociação, em caso de volta da inflação.
A proposta feita à Fazenda simplesmente recompõe o valor de pico de todos os contratos, sob a alegação de que melhorando o valor do aluguel, aumenta-se a oferta de imóveis. Significa aumentar em até 177% o valor real do mercado de locação.
O que esta proposta esdrúxula vai conseguir será elevar brutalmente o valor médio dos contratos de locação, acabando com a tranquilidade de inquilinos, que não conseguirem pagar, e de proprietários, que não vão conseguir receber.
Universidade e catório
Recentemente, em um debate, o colunista falou do que considerava imoralidade de professores universitários aposentado-se e voltando a lecionar na mesma cadeira.
A reação de um físico presente ao debate foi inesperada. Embora ainda não se soubesse que ele estava nesta condição, pediu a palavra para explicar que enquanto tem um Fiat velho, a frente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) está coalhada de automóveis importados.
Há milhões de desassistidos no Brasil, sem condições de escolha. Já os bem aquinhoados pela sorte –entre os quais se inclui o físico e os industriais da Fiesp– têm a oportunidade de fazer sua opção profissional.
Se a intenção do físico fosse enriquecer, certamente não deveria ter abraçado a carreira universitária. Sua carreira oferece outros tipos de vantagens, como a possibilidade de estudar fora, financiado pelo contribuinte brasileiro, uma vida profissional tranquila, sem cobranças rígidas, sem riscos aos quais estão expostos todos os que se entregam a carreiras competitivas.
Mas o que importa é que sua atitude ofendeu princípios básicos da ética acadêmica, significou um ônus a mais para o contribuinte, um desrespeito aos direitos de colegas não organizados politicamente e um privilégio execrável.
Registre-se que existem muitas pessoas na condição do fisico que não recorreram a este direito espúrio. Vão receber metade dos novos rendimentos de seu colega apenas porque se comportaram de acordo com princípios éticos.
É um episódio que deveria acelerar as discussões sobre esta prática no meio acadêmico. Partiu dos próprios físicos a iniciativa louvável de condenar, por aéticas, tais práticas. Este conceito precisa ser estendido ao conjunto das universidades.

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