São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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`Fermata' pára o tempo e despe mulheres

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Fermata", o novo livro de Nicholson Baker que sai agora no Brasil pela Companhia das Letras, fez bastante barulho quando foi lançado em fevereiro nos EUA.
O escritor, que já causara escândalo com "Vox", uma conversa sexual telefônica, mergulha em "Fermata" em fantasias mais profundas.
O personagem/narrador de "Fermata", Arno Strine, é um sujeito solitário que adquire, adolescente, a capacidade de parar o tempo. Com o mundo imóvel à sua volta, Arno Strine dedica-se a sua atividade preferida: despir mulheres ou surpreendê-las em momentos de intimidade solitária.
Nicholson Baker, 37, que é casado e tem dois filhos, acha que seu personagem tem muito mais a ver com o americano médio do que as mulheres gostariam que ele tivesse.
Nesta entrevista que concedeu à Folha por telefone, de Berkeley, Califórnia, Baker diz que o tema sexo está por hora encerrado para ele e que pretende se dedicar a outros assuntos.

Folha - Como as mulheres americanas receberam seu último livro, "Fermata"?
Nicholson Baker- Algumas ficaram ensandecidas. Outras pegaram o espírito em que ele foi escrito, ou seja, com a intenção de ser uma comédia.
Folha - Uma comédia?
Baker - É. Quer dizer, se não é divertido ou engraçado, acho que qualquer mulher ou homem devia jogar o livro pela janela. Se não acha divertido, atira pela janela e pronto. Não escrevi para ofender.
Folha - Enquanto escrevia o livro, você pensou em ter que ser "politicamente correto"?
Baker - Eu tentei manter os sentimentos "politicamente incorretos" fora da minha cabeça enquanto eu escrevia. Mas, claro que sabia que ia ter problemas.
Folha - Parece que hoje em dia, especialmente nos EUA, é mais fácil para as pessoas escreverem ou lerem sobre sexo em vez de praticá-lo. Você acha que isso pode originar um "boom" de literatura erótica?
Baker - Acho que é verdade que as pessoas estão fazendo menos sexo e estudando mais o assunto.
Além disso, é possível que estejam cansadas do tipo de pornografia visual que tivemos nos últimos 30 anos, cada vez mais.
É possível que elas agoram possam dar o próximo passo e incorporar algumas das descrições narrativas sobre sexo.
Folha - E você acha que há um "boom" desse tipo de literatura hoje?
Baker - Bom, para qualquer lugar que você olhe, estão sendo publicadas antologias, escritos eróticos para mulheres, para lésbicas, para gays.
Quando "Vox" saiu, isso não era tão evidente. Mas, nos últimos dois anos, as coisas explodiram.
O que é legal em escrever sobre sexo é que é um tema tão rico e tão complicado que pode acomodar tudo isso. Há ainda muita coisa a se dizer e muito do que vem sendo publicado é bastante bom.
O segredo é descobrir uma nova maneira de falar das mesmas velhas coisas. Como é o segredo de todo romance.
Folha - Arno Strine, personagem do livro, pára o tempo e despe as mulheres. Os princípios morais que o impedem de ir mais longe são dele ou seus?
Baker - Bem, não sei se eu iria sequer tão longe quanto o personagem. Mas acho que não estou dizendo para as pessoas saírem por aí tirando a roupa das mulheres.
Acho que Arno é de alguma forma um homem bom. Ele não faz tudo o que poderia fazer. Ele poderia fazer coisas muito piores e não faz. Ele teve que inventar sua própria etiqueta sexual, até para ter certeza do que pode aguentar.
Folha - Você acha que as fantasias de Arno são as de um homem americano de 35 anos?
Baker - Acho que o americano típico de 35 anos tem muito mais em comum com Arno do que as mulheres gostariam que tivesse.
Folha - Ele tem fantasias bem adolescentes, não?
Baker - Tem, tem sim. Ele tem um tipo de adolescência terminal que o prende. Em certo sentido, é como todos os homens, vistos sob um ângulo bastante desfavorável e sem humor.
Quando pergunto aos homens o que fariam se fossem capazes de parar o tempo, eles sempre dizem primeiro que tirariam a roupa de outra pessoa.
Quer dizer, eu não inventei isso como um tipo de coisa esquisita. Essa é a maneira que os homens fariam se tivessem esse poder, pelo menos a julgar pelos homens com quem falei.
Folha - Arno sempre dá às mulheres algum tipo de presente, como vibradores ou textos eróticos. Ele faz isso para compensar sua incapacidade de ter relações com mulheres?
Baker - A habilidade mágica que ele tem o prejudicou e o impediu de desenvolver uma relação verdadeira. No fim do livro, ele consegue uma namorada e perde seus poderes. Ele perde sua estranheza e é capaz de tocar sua vida.
Folha - Você, enquanto escreve, acha que está dando um presente para as mulheres?
Baker - Sim, mas elas nem sempre gostam desse presente. Arno fantasia quanto a publicar seu livro e colocá-lo secretamente na mão de uma mulher.
Essa é uma fantasia muito comum aos escritores. Eles querem ver as pessoas lendo o livro, ver como reagem a cada palavra. O que ele faz é um tipo de transformação infantil dessa idéia.
Folha - Você já está escrevendo um outro livro?
Baker - Sim acabo de escrever um ensaio sobre bibliotecas. No momento, terminou completamente minha relação com sexo e só estou pensando em outras coisas.
Folha - Então você não pretende escrever outro livro sobre sexo?
Baker - Talvez sobre relacionamentos. Mas não no nível de vocabulário sexual. Com meus dois últimos livros, "Vox" e "Fermata", esvaziei meus arquivos sobre o sexo até o momento.
Folha - Mas você ficou satisfeito com a recepção que seu livro teve, ou não?
Baker - Bem, é doloroso quando as pessoas te odeiam. Quando há reações muito chocadas e raivosas. Mas algumas mulheres gostaram muito desse livro, e acharam engraçado.
Na verdade, me sinto bem sortudo. Pude escrever o livro exatamente do modo como queria, fazê-lo ficar tão bom quanto era capaz, e publicá-lo. Não fui processado, nem agredido fisicamente.
Folha - Quem você acha que livros como o seu incomodam mais?
Baker - As pessoas que acham que os romances têm que ser sempre como o jeito que as pessoas agem na vida real. Que os romances não podem explorar coisas proibidas.
Esse é um tema proibido, assustador e pertubador. As pessoas que ficaram realmente enraivecidas de alguma forma não são capazes de distinguir entre ficção e realidade.
Meu livro é quase uma ficção-científica, é fisicamente impossível parar o tempo e tirar a roupa de outra pessoa. Não sei por que as pessoas não aceitam isso como uma fantasia e tiram daí o prazer que puderem.
O prazer que eu tive foi com as palavras. Inventar novos termos para artigos sexuais foi muito divertido.

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