São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994 |
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Cantos gregorianos viram florais de Bach sonoros
ARTHUR NESTROVSKI
Quem poderia prever um sucesso desses para a menos popular de todas as formas de música erudita? A resposta vem dos departamentos de marketing das gravadoras, atentos a todo e qualquer possível filão esotérico. O gregoriano, embrulhado como equivalente sonoro dos florais de Bach, se transforma, ao que tudo indica, em mais uma forma de música "new age" e conquista assim o alto privilégio de chamadas comerciais em horário nobre da televisão brasileira. Naturalmente, depois do "mistério" das vozes búlgaras e do "mistério" gregoriano, podemos esperar alguns outros pela frente: o mistério dos cantos budistas, da voz das baleias e da cítara persa. No disco da Deutsche está reunido um repertório menos conhecido do cantochão. São peças da tradição moçárabe, um dos quatro dialetos musicais da Igreja Católica (os outros são o canto ambrosiano, o gálico e o gregoriano propriamente dito). Longas salmodias e entoações dos solistas se alternam com respostas corais, num verdadeiro teatro litúrgico. É fundamental, aqui, a relação entre palavras e música; e não menos importante é a função litúrgica de cada canto. Poucas formas de música na nossa cultura estão tão ligadas à compreensão do texto quanto o cantochão. Mas, sem traduções no encarte, o latim deve permanecer incompreensível para a maioria absoluta dos ouvintes. A incompreensibilidade tem, por certo, sua dose de sedução e contribui para reforçar nosso nem tão sacro mistério. Já o disco da EMI se concentra sobre os grandes sucessos da antologia de peças religiosas preparada pelo papa Gregório, no século 6, que é o que se chama hoje de "canto gregoriano". Aqui estão os hinos "Pange Lingua Gloriosi" (que serviria de base a um sem número de composições da Renascença) e "Veni Creator Spiritus"(citado, entre outros, por Mahler); e mais vinte conhecidos graduais, intróitos, tropos e antífonas. Afinadíssimas, emocionalmente carregadas e com um raro sentido de pulso, as gravações dos monges de Silos têm, contudo, as marcas de sua época (20, até 25 anos atrás, em alguns casos). Interpretações recentes privilegiam ainda mais a relação entre melodia e palavra, com um consequente relaxamento do ritmo. O canto gregoriano, como interpretado hoje, soa, em certos momentos, mais próximo dos cantos árabes do que dos motetes medievais. Única forma de composição ocidental a ter sobrevivido por mais de 2.000 anos, o gregoriano é o equivalente, não da astrologia, mas de Dante e de Santo Agostinho, das catedrais e da universidade. Nem as vicissitudes da musicologia, nem as vulgaridades da publicidade deveriam impedir qualquer um de tomar contato com essa música, numa coletânea que, tudo somado, é uma das melhores que já se fez. Título: Canto Gregoriano Intérprete: Coro dos Monges de Santo Domingo de Silos Lançamento: EMI Título: O Mistério do Canto Gregoriano Intérprete: Coro dos Monges de Santo Domingo de Silos Lançamento: Deutsche Grammophon/Polygram Quanto: 17 URVs (cada CD, em média) Texto Anterior: Nonesuch traz ex-minimalistas Próximo Texto: Imagem tem 6 títulos no gênero Índice |
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