São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
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"Quanto custa a inflação brasileira" - réplica

RUBENS PENHA CYSNE

Em artigo neste jornal datado de 4 de abril de 1994 a professora Maria Helena Ambrosio Dias apresenta suas estimativas de custo de senhoriagem e bem-estar da inflação. Dias faz menção a trabalho anterior de minha autoria apresentado nesta página em 12 de fevereiro último ("Quanto custa a inflação brasileira") mencionando que "a metodologia utilizada pelo professor Cysne deve ser reconsiderada porque é a mesma utilizada para medir os custos de inflação de uma economia com inflação moderada como os Estados Unidos".
Em contraste marcante com os números por mim apresentados, Dias chega a um custo de bem-estar de US$ 100 milhões para uma inflação mensal de 40%. Para esta mesma inflação, meu artigo supracitado chega a um custo de bem-estar de 332 vezes maior, ou seja, US$ 33,2 bilhões.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a professora Maria Helena pela oportunidade de retornar tema tão importante e atual para a economia brasileira e parabenizá-la pelos seus esforços no sentido de levantar um debate de cunho científico sobre este assunto, no qual tenho prazer de inserir-me.
Basicamente repetirei neste artigo as mesmas observações que efetuei quando do Encontro da Anpec de 1993, quando tive o prazer de debater o trabalho de Dias. Suas estimativas estão bastante fora do espectro que se esperaria para tais variáveis no Brasil. Iniciemos pela senhoriagem anual.
Para uma inflação mensal da ordem de 30% a 40%, ao mês, esta autora apresenta uma senhoriagem anual (que, em seu trabalho, coincide com o imposto inflacionário) da ordem de apenas US$ 1,4 bilhão a US$ 1,5 bilhão, ou 0,33% a 0,35% do PIB, para um PIB de US$ 425 bilhões. Tal estimativa está totalmente em desacordo com a ordem de grandeza dos números médios reportados pelo Banco Central (US$ 12 bilhões –fonte Depec) e Pastore (US$ 13 bilhões –fonte "Déficit público, sustentabilidade do crescimento das dívidas interna e externa, senhoragem e inflação: uma análise do caso brasileiro"), dentre outros, para a senhoriagem do Banco Central.
Minhas próprias estimativas neste sentido, obtidas em paralelo e de forma integrada com o estudo sobre os custos da inflação brasileira, trabalho que deu início a esse debate, estão em perfeita concordância com os estudos dos autores citados, situando-se entre US$ 12 bilhões e US$ 14,5 bilhões.
Surpreende-me assim que Dias tenha feito publicar sua etimativa de senhoriagem anual entre US$ 1,4 bilhão e US$ 1,5 bilhão para uma inflação entre 30% e 40% ao mês, que está em discordância com o conhecimento comum dos fatos sobre a economia brasileira, bem como com estimativas teóricas internacionais. O próprio trabalho em que Dias se baseia para construir suas estimativas (Eckstein e Leiderman –Seignorage and the welfare cost of inflation) estima teoricamente, em sua tabela dois, uma senhoriagem média em torno de 3% do PIB (US$ 12,75 bilhões no caso brasileiro) para uma inflação mensal entre 30% e 40%.
Passemos agora às estimativas de custo de bem-estar da inflação. Dias apresenta, para uma inflação entre 20% e 40% ao mês, um custo anual situando-se na faixa de apenas US$ 56 milhões a US$ 100 milhões. O quadro apresenta aproximações feitas por esse autor (tal como no caso da senhoriagem) das estimativas conhecidas no Brasil a este respeito, bem como as estimativas teoricamente esperáveis do trabalho teórico de Eckstein e Leiderman (ver tabela).
Como se observa, as estimativas de Dias estão em total discrepância com as demais apresentadas. Trata-se, a meu ver, de um erro de calibragem do modelo que pode ser facilmente sanado e de forma alguma invalida o esforço científico de Dias, embora invalide suas estimativas e conclusões, que considero prematuramente publicadas.
Cabe também lembrar que o tamanho do sistema financeiro brasileiro, da ordem de 10% do PIB, é cerca de quatro vezes maior do que os 2,5% médios apresentado por países de preços estáveis como Estados Unidos e Alemanha. Dez por cento do PIB são US$ 42,5 bilhões, o que, descontados os US$ 29,0 bilhões de simples inchaço decorrente da inflação nos leva a um cifra em torno de US$ 13,5 bilhões (3,2% do PIB) para o tamanho sistema financeiro realmente necessário, dado esse plenamente compatível com a experiência internacional.
Em sua exposição, entretanto, Dias levanta uma importante questão teórica: até que ponto o fato de termos desenvolvido no Brasil vários substitutos à moeda não invalidam a metodologia utilizada nestas estimativas? Objetivando responder a esta questão, iniciamos na EPGE/FGV, o professor Mario Henrique Simonsen e eu, uma pesquisa teórica intitulada "Welfare costs of inflation: the case for interest bearing money and empirical estimates for Brasil", a ser apresentada em breve no próximo Congresso Latino Americano da Sociedade de Econometria.
Basicamente, esta pesquisa deixa claro que os custos mensurados pela metodologia tradicional são os mesmos na hipótese de existência de quase moeda, assumidas certas hipóteses que são razoavelmente palatáveis para o caso brasileiro. Ou seja, tais estimativas podem variar um pouco no caso de existência de quase moeda, mas de forma nenhuma de uma ordem de grandeza que viesse a corroborar as estimativas de Dias.

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