São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
Próximo Texto | Índice

Como não fazer nada

"Comment faire pour ne rien faire? Je ne sais rien au monde de plus difficile. C'est un travail d'Hercule, un tracas de tous les instants." *
Paul Valéry

O Congresso Nacional de fato realizou uma proeza, uma façanha. Passou quase oito meses gastando sua própria energia, recursos públicos e a paciência da sociedade no processo de revisão constitucional. E o que conseguiu? Para além de medidas cosméticas como a permissão da dupla cidadania, nada.
O grande problema é que, enquanto os congressistas dedicam-se com afinco a nada fazer, o país vai patinando na rota da miséria e do subdesenvolvimento.
Não se trata de ser ingênuo a ponto de acreditar que todas as mazelas que o Brasil enfrenta se devem à sua Constituição. É inegável porém que a atual Carta, em que pese a sua vocação claramente democrática, contém passagens que tornaram o Estado uma massa falida e consagraram alguns dos piores vícios da política nacional. Emendar esses equívocos –bem como criar as normas complementares exigidas desde 88 pela Constituição, pontos cruciais que o Congresso se esmerou em ignorar– é apenas o pré-requisito para que o país possa encontrar o rumo do crescimento com justiça social.
E os parlamentares tiveram sua chance. Entretanto, os interesses pessoais, a vontade compulsiva de reeleger-se, os impediram de tomar decisões que parecessem impopulares ou que contrariassem os grupos de interesse que os financiam.
Nesse sentido, como não há razões objetivas para acreditar que os parlamentares mudem da noite para o dia ou que o próximo Congresso venha a ser substancialmente diferente deste que aí está, o mais conveniente seria convocar uma assembléia de cidadãos –proibidos de participar de eleições normais por um determinado período– para, exclusivamente, modificar a Constituição. Neste caso, interesses pessoais pesariam menos e o país teria melhores chances de enfim encontrar o seu caminho.
É óbvio que as dificuldades são grandes, mas a idéia, aos poucos, começa a ganhar a adesão de importantes segmentos sociais. A Fiesp, por exemplo, decidiu dar apoio à revisão exclusiva.
Que o truculento Hércules ceda lugar à sábia deusa Atena.

* "Como fazer para não fazer nada? Não conheço no mundo nada mais difícil. É um trabalho de Hércules, um aborrecimento de todos os instantes".

Próximo Texto: Por baixo do pano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.