São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
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Plano e reforma

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Dentro de 43 dias embarcaremos no já tradicional plano de estabilização que quase anualmente é despejado sobre a economia brasileira. Todos eles, desde 1986 (Cruzado, Cruzadinho, Antonio João e Maria, Verão, Collor 1 e Collor 2) foram realizados em melhores condições políticas do que as atuais. E todos terminaram em retumbantes fracassos, colhidos em prazos que variaram de cinco a dez meses.
Dissemos muitas vezes nesta coluna que a inflação que vivemos não pode ser explicada apenas pelo nível de déficit operacional existente. E que nosso problema, no curto prazo, era realizar uma verdadeira reforma monetária, restabelecendo a capacidade de controlar a criação de moeda. Um ativo capaz de ser unidade de conta, intermediário de trocas e reserva de valor, para ser usado como padrão de pagamentos diferidos.
Essa "reforma monetária" deveria preceder as demais, principalmente a reforma constitucional iniciada em outubro do ano passado. A idéia era a de que se poderia obter um sucesso de curto prazo que reforçaria a capacidade do Executivo de produzir uma coalizão estável no Congresso. E com esta maioria (e as condições especiais da reforma constitucional com maioria absoluta num sistema unicameral) seria possível produzir os "fundamentais" que livrariam o Brasil da praga inflacionária e lhe dariam as condições para um desenvolvimento econômico acelerado, sustentável e mais equânime. Mas era exatamente isso que o ministro não podia fazer sem perder sua condição de candidato!
O insólito dessa situação é que ela era a reversão da tragédia produzida pelo Cruzado. Um plano que deu certo no curto prazo e que elegeu a maioria que construiu a "Constituição cidadã", aquela mesma que impede que qualquer programa funcione.
O Plano FHC começou reconhecendo que, com a atual Constituição, o país é ingovernável. É isso que significa o Fundo Social de Emergência. Introduziu, depois, a brilhante e engenhosa idéia da URV, que colocou em "fase" todos os contratos de trabalho e congelou o salário pela média, eliminando magicamente dois problemas graves de todos os planos de estabilização: o irônico e divertido é que isso foi feito com tal retórica e "democracia" que até hoje os economistas do PT e a CUT não entenderam o que está acontecendo...
Não sabemos ainda qual é o plano, pois ninguém conhece quais os mecanismos de criação do real. Que instituição o controlará. Que comprometimento terá com o dólar. Não podendo partir para a conversibilidade, é certo que a "âncora cambial" terá de ser ajudada por outra ou outras (controle de crédito, controle de preços, eliminação da recompra da dívida interna etc.), se o objetivo for uma redução instantânea da taxa de inflação para 2 ou 3% ao mês, como exige a questão político-partidária.
Infelizmente, o plano, ainda que venha a ser um sucesso eleitoral, não subsistirá sem os fundamentais. E os fundamentais não existirão sem a reforma constitucional. E a reforma não foi feita porque ela implicaria, necessariamente, contrariar alguns interesses. E a última coisa que o ministro candidato queria era contrariar alguém.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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