São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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"Pistoleiros" profetiza fim do velho Oeste

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Para quem conhece o cinema de Sam Peckinpah a partir de "Meu Ódio Será Sua Herança" (1969), a primeira reação pode ser de choque: onde está a violência incontida, as mortes em câmera lenta, a destruição feroz?
Em vez disso, "Pistoleiros do Entardecer" é um faroeste de poucos tiros, em que dois velhos caubóis quase se arrastam, desiludidos, ao cumprir sua última missão.
Não que sejam burocratas. Joel McCrea é o antigo profissional da lei, que se dispõe a buscar o ouro produzido em uma zona de mineração e trazê-lo até a cidade, para um banco. Paga: US$ 20 por dia.
Randolph Scott, o antigo assistente que ele encontra ao chegar à cidade, acompanha-o na missão. Mas os US$ 10 de paga diária lhe parecem pouco. Sua questão é: de que valeu servir a lei anos a fio, senão para terminar ganhando a vida num parque de diversões, enfrentando amadores em números de tiro ao alvo?
Mas, à simples enunciação do problema, já não fica tão difícil lembrar de "Meu Ódio Será Sua Herança". Lá também, tudo era questão de pistoleiros em fim de carreira, num Oeste que também chegava ao fim e destinava ao esquecimento seus velhos heróis.
"Pistoleiros" ambienta-se nesse Oeste crepuscular, em que os velhos homens da lei já são uma relíquia. Mas, a moral de que eram os guardiães, seria ela também relíquia? É esse momento de transformação que Peckinpah visa em seu filme: quando a lei deixa de ser uma questão de força para se tornar uma abstração.
Em certo sentido, "Pistoleiros" é como se fosse o lado claro, construtivo de "Meu Ódio": momento de dúvida instalado de maneira soberba sobre os homens do passado, projetando os temores quanto ao futuro. "Meu Ódio", ao contrário, constata o triunfo da violência, da degeneração dos valores.
É claro, nenhum dos dois filmes é extático. As sequências do garimpo fazem pensar em um tecido social que, criado na violência, tende à perda dos referenciais simbólicos mais elementares.
Sobre isso, talvez seja impossível não mencionar a sequência do casamento celebrado no interior de um bordel por um juiz de paz caindo de bêbado. A cena parece saída de um filme de Stroheim (1885-1957). E de Stroheim, de resto, parece vir o que poderia ser a divisa deste raro "Pistoleiros do Entardecer": ouro e maldição.
(IA)

Filme: Pistoleiros do Entardecer
Produção: EUA, 1962, 94 min.
Direção: Sam Peckinpah
Elenco: Joel McCrea, Randolph Scott
Distribuição: Concorde/Tocantins (tel. 011/857-7553)

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