São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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Eric Burdon canta o blues inglês em SP

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma lenda da música dos anos 60 se apresenta em São Paulo na próxima semana. Eric Burdon, líder do Animals e mais potente voz inglesa do blues, canta no festival Nescafé & Blues, que começa na quarta, no Palace.
O baixinho rouco saiu da pequena Newcastle em 64, e foi disputar com os grupos Them, Yardbirds, Bluesbreakers e Rolling Stones a liderança do blues britânico.
Com The Animals, gravou clássicos como "Don't Let Me Be Misunderstood" e "The House of Rising Sun".
Nos anos 70, Burdon realizou o sonho de cantar à frente de uma banda formada por artistas pretos, o grupo War. Desde então, vem ensaiando um retorno com lançamentos de discos esporádicos.
O cantor se apresenta, dias 27 e 29, com o tecladista Brian Auger e banda. No repertório, sucessos dos Animals e novas canções.
"Continuo a cantar as velhas músicas", ele explica, "porque cada vez as canto sob arranjos diferentes".
Os ingressos estão à venda na bilheteria do Palace (av. dos Jamaris, 213, Moema, tel. 011/531- 4900), entre CR$ 30 mil e CR$ 110 mil.

Folha - Você se considera um cantor de blues?
Eric Burdon - Não. Sou basicamente um cantor de rock'n'roll, um ritmo conectado ao blues.
Às vezes, quando dou um show, o público vem me dizer: `Você destruiu nos blues, esta noite", ou "Grande jazz, hoje".
Cada um chama do que quer, mas, para mim, ainda é rock'n'roll. Música do coração.
Folha - Quando The Animals começou, o rock'n'roll tinha praticamente morrido nos EUA. O que motivou o interesse pelo blues entre tantos adolescentes britânicos da sua geração?
Burdon - A frustração com várias coisas: promessas não cumpridas, pais, escola, governo, concepções da vida que não se concretizaram. Nada foi planejado.
Em Newcastle, não tinha informação sobre o que acontecia em Londres, Liverpool ou Hamburgo. Descobri que existiam outras bandas como nós, viajando.
Mas, por outro lado, tínhamos todos a mesma idade e vivíamos a mesma época. Acho que "timing" é o elemento básico da música.
Eu era um estudante de arte, fã de Leonardo da Vinci e de blues. Mas, se era impossível conhecer Leonardo da Vinci, o drama humano do blues era bem tangível.
Tanto que pude encontrar e até tocar com Sonny Boy Williams, Big Bill Broonzy, Muddy Waters, Jimmy Witherspoon e Ray Charles. Tive sorte de estar com Jimi Hendrix e cantar com ele em alguns shows.
Folha - Ao final dessa época, você não pensou em abandonar a carreira?
Burdon - Não. Não estaria cantando hoje se não sentisse que sou melhor do que era nos anos 60. Muito melhor.
Folha - O que o levou a morar em Los Angeles?
Burdon - A `marijuana'. O estilo de vida. Aqui, posso andar de moto todo o dia.
Meu sonho, quando criança, era viver sobre duas rodas. Tive várias motocicletas, mas na Inglaterra o tempo é horrível. Aqui, nesse tempo árido, posso andar bastante.
Folha - A América que você encontrou foi a mesma que você conheceu pelo blues?
Burdon - Vim para a América, pela primeira vez, em 64. Este era um mundo de pessoas brancas, de valores anglo-saxões e mentalidade européia. Isto mudou.
Gosto de viver em Los Angeles, perto da fronteira mexicana, porque me sinto na capital do Terceiro Mundo.
Folha - Los Angeles é também capital do rap. Você vê uma linha evolutiva entre o jazz, o blues e o rap?
Burdon - Acho que só é possível falar "bitch" (vadia) de poucos jeitos diferentes, por isso não ouço rap.
Mas a música tem todos os elementos para ser o novo jazz. É sincopada, discordante, sensual e política. Mas lhe falta melodia, simpatia e dignidade.
Folha - Quais são os seus atuais projetos musicais?
Burdon - Estou trabalhando em quatro álbuns: uma retrospectiva com regravações, um álbum de blues, que todos me pedem, um de country, porque estou cantando muito com bandas country nos EUA, e um disco pop.
Folha - Que tipo de pop você gravaria, hoje?
Burdon - Eu gostaria de voltar para o nível de volume que tocava em 64 e 65. A maioria das bandas de hoje toca mais alto do que no passado, talvez por culpa da TV.
Ela me dá imagens, quando eu deveria estar ouvindo canções. Pra música me chamar a atenção, só sendo muito alta. É um equívoco.

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