São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Bento Prado defende conflito de extremos

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao final de sua palestra na quarta à noite, no ciclo Banco Nacional de Idéias, o filósofo Bento Prado Jr. (Universidade Federal de São Carlos) disse que tinha feito "um zigue-zague extravagante".
O ciclo, que termina hoje com a conferência do alemão Peter Sloterdijk ("A Crítica da Razão Cínica"), pretende discutir o "relativismo como visão de mundo", tratando de uma querela de 2.000 anos entre os que não acreditam em valores absolutos e os que defendem a verdade como universal e única.
O "zigue-zague" a que se referia Bento Prado vem do fato de ter feito, em sua palestra, um apanhado dessas querelas desde os gregos, sem apresentar soluções, embora, como lembrou um dos debatedores (Paulo Arantes, USP), tenha sempre estado mais do lado dos relativistas.
"Nem relativismo nem absolutismo, meu alvo não é suspender o conflito, mas trabalhar a tensão que o atravessa, ver os limites onde a filosofia toca a não-filosofia, como se ela nascesse de sua impossibilidade", disse.
Prado defende a filosofia não como temperança, meio-termo, mas como convivência dos extremos; sua essência estaria na conversa e no confronto permanente entre os extremos e não na apresentação de soluções.
Daí tentar resgatar o aspecto positivo e a seriedade do relativismo (representado pelo americano Richard Rorty, que falou ontem à noite) contra a caricatura feita pela tradição do racionalismo, sem com isso deixar de levar em conta teses universalistas, como a proposta de uma ética planetária pelo alemão Otto Apel.
A questão do relativismo é sobretudo política. Os dois debatedores de quarta-feira realçaram esse aspecto. Sérgio Cardoso (USP) questionou, com grande pertinência, o caráter progressista do relativismo na Grécia Antiga, tal como apresentado por Bento Prado na sua análise de Protágoras.
Muito preocupado com as relações entre metrópole e periferia, e com a politicagem e o jogo de influências dentro da academia, Paulo Arantes tentou trazer a discussão do relativismo para dentro do cenário social atual da filosofia. "É uma questão americana", disse.
Segundo o autor de "Um Departamento Francês de Ultramar", o relativismo ganha um novo sentido histórico e social nos EUA com a desintegração da identidade nacional, dentro da onda do culturalismo, que vai escamoteando as questões políticas e econômicas.
"Não quero fazer uma sociologia da filosofia. Falta-me o instrumental sociológico do Paulo Arantes para ver a situação da filosofia no mundo. Estou interessado em questões filosóficas", rebateu Prado, não sem uma boa dose de humor e elegância.
Ontem, Richard Rorty, autor de "A Filosofia e o Espelho da Natureza" e uma dos principais representantes do neopragmatismo americano, debateu o tema do relativismo com Luís Eduardo Soares e José Arthur Giannotti.
O ciclo termina hoje, às 20h, no Espaço Banco Nacional, com a palestra de Peter Sloterdijk, autor do cult "A Crítica da Razão Cínica". Os debatedores são o filósofo Carneiro Leão (UFRJ) e o jornalista e escritor Fernando Gabeira. Os ingressos estão esgotados.

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